“Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data”
Luís Fernando Veríssimo

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Brasil vive grave crise democrática, diz ONG alemã

O clima político é cada vez mais determinado pelo conservadorismo, e a atuação política dos cidadãos é reprimida, muitas vezes com violência, pelas autoridades, afirma a Brot für die Welt.
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Policiais disparam contra manifestantes reunidos em Brasília para protestar contra o governo, em maio de 2017
Um novo índice divulgado nesta quarta-feira (31/01) colocou o Brasil entre os países onde a atuação da sociedade civil e o exercício das liberdades individuais – como os direitos de se manifestar ou de expressar sua opinião – é apenas "limitado". A escala tem cinco níveis e vai de "livre" a "fechado".
Elaborado pela ONG Brot für die Welt, ligada à Igreja Evangélica da Alemanha (EKD), o Atlas das Sociedades Civis destaca que, "desde o controverso processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em agosto de 2016, esse país do G20, a nona maior economia do mundo, vive uma grave crise democrática".
Segundo o relatório, "a participação ativa na política, por meio de movimentos sociais, dá cada vez mais lugar à criminalização de ativistas. O clima político é cada vez mais determinado por um conservadorismo religioso" que desrespeita os direitos de mulheres e homossexuais, "elevando as tensões e as diferenças sociais".
Em protestos contra o governo, a violência aumenta cada vez mais, afirma o relatório. "Unidades especiais agem com gás lacrimogêneo, granadas de luz e som, balas de borracha e, em parte, munição letal contra os manifestantes", o que, segundo o relatório, frequentemente resulta em pessoas feridas e até mesmo mortes.
O Brasil aparece no índice ao lado de outros 52 países onde a livre expressão das liberdades individuais é "limitada pelos governantes por meio de uma combinação de limitações legais e práticas". Outros países da lista são Índia, Indonésia, Moçambique, Haiti e Israel.
Karte Schrumpfender Spielraum für Zivilgesellschaft POR
Em todo o mundo
Atlas das Sociedades Civis apresenta uma situação sombria para a atuação da sociedade civil e o exercício das liberdades individuais em todo o mundo e destaca que apenas 2% da população mundial vive em sociedades onde é possível se expressar e atuar politicamente de forma completamente livre.
Essa população soma 148 milhões de pessoas e vive em 22 países, a maioria europeus. Entre eles estão a Alemanha, as nações escandinavas, a Suíça e Portugal. Neles, os cidadãos podem, "sem barreiras legais ou práticas, criar associações, fazer demonstrações em praça pública e obter e difundir informações".
Os autores destacam que há uma relação direta entre liberdades civis e o desenvolvimento de uma sociedade. "Quando se exerce pressão sobre a população surgem conflitos, e isso impede o desenvolvimento", afirmou a diretora de Direitos Humanos da Brot für die Welt, Julia Duchrow, durante a apresentação do estudo, em Berlim. Segundo ela, melhores condições de vida dependem, portanto, do livre exercício das liberdades civis.
Seis países foram analisados em detalhes: além do Brasil, são eles Quênia, Chade, Honduras, Filipinas e Azerbaijão. "Todos têm em comum que as sociedades civis são cada vez mais reprimidas", afirmou Duchrow. Ela citou como exemplos o uso desproporcional de violência policial contra manifestantes e a promulgação de leis que restringem a influência da sociedade civil.
Em todo o mundo, a tendência aponta para os regimes autoritários, e, em muitos países, déspotas têm até mesmo o apoio de parte da população, diz o relatório. Um exemplo são as Filipinas, onde o presidente Rodrigo Duterte conta com a simpatia de muitos cidadãos. "Infelizmente, tendências nacionalistas estão em alta neste momento", diz Duchrow.
http://www.dw.com/pt-br/brasil-vive-grave-crise-democr%C3%A1tica-diz-ong-alem%C3%A3/a-42390836

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

CONSUMO DE ÁLCOOL. ESTUDO REVELA COMO ELE ATINGE O DNA E AUMENTA O RISCO DE CÂNCER


Uma equipe de cientistas do Reino Unido investigou uma das íntimas ligações entre o álcool e o câncer através da análise do DNA em células estaminais (células-tronco). Nas experiências feitas com ratos, os cientistas recorreram à administração de etanol nos animais e concluíram que a exposição ao álcool provoca danos genéticos permanentes. O estudo, que conta com a participação de uma cientista portuguesa, é publicado na edição desta semana da revista Nature.


Por: Equipe Saúde 247

“Alguns tipos de câncer surgem quando existem danos no DNA em células estaminais (células-tronco). Sabemos que alguns destes problemas ocorrem por acaso, mas os resultados do nosso estudo sugerem que beber álcool pode aumentar o risco desses estragos”, refere Ketan Patel, cientista do Laboratório de Biologia Molecular do Conselho de Investigação Médica do Reino Unido, em Cambridge, num comunicado da instituição Cancer Research UK que financiou parte do estudo. Sandra Louzada, investigadora portuguesa no Instituto Wellcome Trust Sanger, é especialista em genética molecular e uma das cientistas que assina o artigo. Ao contrário da maioria dos estudos que são feitos em culturas de células para observar os efeitos do álcool na nossa saúde, desta vez os cientistas administraram etanol a ratinhos para observar in vivo o impacto deste consumo no DNA dos animais.
Os animais foram expostos a um “tratamento agudo” com uma dose total de 5,8 gramas de etanol por quilo, dividida em duas injecções, e também a um “tratamento crônico” que consistiu na mistura de etanol diluído na água dos ratinhos durante vários dias. As atenções estiveram sobretudo viradas para o acetaldeído, o químico que é produzido pelo organismo quando o álcool é processado. Ketan Patel resume os resultados da investigação: “O álcool é processado pelo organismo através de uma toxina chamada acetaldeído, isso prejudica o DNA das células estaminais causando mudanças permanentes no genoma. Uma vez que uma célula estaminal faz muitas descendentes (células filhas), isso faz com que um genoma de células estaminais com defeito seja passado para muitas células.”

PÚBLICO -
 
O pesquisador Ketan Patel

Uma garrafa de whisky
Sobre as generosas quantidades de álcool servidas aos ratinhos, o cientista esclarece na resposta por email que “a maioria das experiências usou uma única e grande dose de etanol que é equivalente a colocar um ser humano a beber uma garrafa de whisky de 750 mililitros de uma só vez!” Tendo em conta o que observaram em laboratório, Ketan Patel considera que estes testes demonstraram “que os ratinhos lidaram e processam o álcool de forma muito eficaz e que não são muito afetados por isso, mostrando estar 15 minutos bêbados e perfeitamente bem passados 30 minutos”. Mas é evidente que os efeitos do consumo de álcool podem ir muito além de uma simples ressaca passageira.
Para a maioria das pessoas, o acetaldeído é um subproduto transitório do álcool que é “resolvido” (transformado em energia) por uma família de enzimas (ALDH) que, assim, funciona como um mecanismo de defesa. No estudo, os investigadores identificaram um dos membros desta família (a ALDH2) que terá um papel decisivo neste processo. Segundo concluíram, quando esta enzima não estava presente nos ratinhos que tinham sido “embriagados” os danos no ADN quadruplicavam, quando comparados com os animais com esta enzima funcionando normalmente.
Os autores do estudo sublinham no artigo que existem cerca de 540 milhões de pessoas na Ásia que carregam uma mutação no gene ALDH2, o que significa que não conseguem lidar com o acetaldeído. Sabe-se que as pessoas que têm esta mutação enfrentam um risco aumentado em desenvolver cancro esofágico se consumirem álcool. No entanto, o artigo agora publicado na Nature sugere que estes indivíduos também podem ser mais susceptíveis a outros distúrbios sanguíneos induzidos pelo álcool.
“O nosso estudo realça que não ser capaz de processar o álcool de forma eficaz pode levar a um risco ainda maior de danos no ADN relacionados com álcool e, portanto, a um risco aumentado de alguns tipos de câncer. Mas é importante lembrar que a eliminação do álcool e os sistemas de reparação do ADN não são perfeitos e que o consumo de álcool pode causar câncer de outras maneiras, mesmo em pessoas que têm estes mecanismos de defesa intactos”, refere Ketan Patel no comunicado.
Próximo passo? “O trabalho foi feito processando células estaminais do sangue porque são fáceis de estudar e analisar. Queremos saber se outras células estaminais são afetadas de forma semelhante – particularmente as que estão em tecidos onde sabemos que o câncer se desenvolve após a exposição ao álcool (boca, fígado e mama)”, adianta o investigador. Vários estudos sobre a perigosa relação entre o álcool e o câncer já demonstraram que este consumo (mesmo que seja leve ou moderado) está associado de forma clara a, pelo menos, sete tipos de câncer (faringe, laringe, esôfago, fígado, cólon, reto e mama). A Organização Mundial da Saúde coloca o álcool no grupo dos agentes cancerígenos, apoiando-se em "provas convincentes" que causa câncer em humanos.
Ketan Patel nota que o artigo publicado agora não investigou a quantidade de álcool necessária para se observar danos no DNA, mas antes “como é que o álcool pode causar danos”. “O trabalho também mostra que os seres humanos possuem um robusto mecanismo de proteção contra o álcool, conclui. “Dito isto, é provável que o "binge drinking" (consumo rápido de grandes quantidades de álcool) ultrapasse essas defesas e que os efeitos cumulativos de longo prazo também sejam importantes, já que os humanos agora vivem muito mais anos. Talvez os danos acumulados no DNA possam comprometer o bem-estar na velhice.
https://www.brasil247.com/pt/saude247/saude247/335483/Consumo-de-%C3%A1lcool-Estudo-revela-como-ele-atinge-o-DNA-e-aumenta-o-risco-de-c%C3%A2ncer.htm

domingo, 31 de dezembro de 2017

Quando a imprensa promove o linchamento, segundo Miruna Genoíno

por 
Livro lançado pela filha de José Genoíno detalha a violência e julgamento sumário da imprensa
Livro recém lançado pela filha de José Genoíno detalha a violência e julgamento sumário da imprensa
Jornal GGN - "Ter vivido aqueles dias de julgamento televisionado, detalhado e comentado a cada segundo por uma mídia cada vez mais sangrenta e parcial foi uma vivência que não desejo a ninguém, nem aos meus inimigos. Cheguei um dia a me perguntar se aqueles jornalistas, ou melhor, seus chefes, eram capazes de imaginar o que estavam fazendo (...) Eu via cada manchete, cada frase maldosa, sem entender como podiam fazer isso com uma pessoa tão honesta e não sentir um mínimo de remorso", esse é um trecho do livro Felicidade Fechada, publicado por Miruna, filha de José Genoíno.
O lançamento foi realizado no espaço Barão de Itararé, e contou com a presença do jornalista Paulo Moreira Leite, e da cientista política e também jornalista, Maria Inês Nassif, na mesa de debates.
O fundador do PT foi condenado sem provas, em 2012, pelo Supremo Tribunal Federal, na Ação Penal 470, o mensalão. Os ministros que decidiram pela sua condenação adotaram a "teoria do domínio de fato", mecanismo inédito e bastante censurado por juristas, incluindo até mesmo nomes críticos ao Partido dos Trabalhadores, como Ives Gandra Martins. Em março de 2015, o Supremo decidiu extinguir a pena de José Genoíno, por unanimidade, com base no indulto natalino decretado pela presidente Dilma Rousseff.
A obra de Miruna, publicada pela Editora Cosmos, reúne as cartas da família, remontando as angústias enfrentadas por eles, tanto em decorrência da prisão de Genoíno quanto pelo linchamento midiático. Sim, linchamento, palavra definida pelos dicionários Aurélio e Michaelis como "justiçar sumariamente ou sem julgamento, punir usando grande violência, justiça sumária feita por uma multidão a um criminoso".
Como pedagoga e especializada em educação infantil, Miruna tem procurado transmitir desde cedo para seus alunos que há sempre uma decisão por trás da escolha de cada palavra escrita, questionando o posicionamento dos principais meios de comunicação que nunca deram espaço equivalente para a defesa de Genoíno nas reportagens:
"A gente vive um momento em que se utiliza muito o argumento da liberdade de imprensa, com pessoas dizendo que só transmitiram na escrita o que aconteceu, como se a palavra não pudesse ter escolhas", rebate.
Maria Inês Nassif analisa que o linchamento “faz parte da estratégia de negação da política”, para derrubada de governos.
“Você tem que destruir a reputações para conseguir destruir a força política e a corrupção é um apelo, principalmente, às classes médias que, ironicamente, ascenderam em governos populares”. Inês acrescenta que os militares usaram a mesma estratégia pouco antes e durante a ditadura de 1964 e, atualmente, setores políticos e do judiciário usam mecanismos semelhantes àqueles utilizados durante o estado de exceção:
“[O que a justiça de Curitiba faz] nada mais é do que um inquérito policial militar, não diferindo em nada daqueles aplicados na ditadura. O problema é que, em um país verdadeiramente democrático, se a mídia destrói uma reputação, você confia que, lá na frente, o judiciário vai dar o atestado de idoneidade para a pessoa vitimada pelo linchamento midiático”, completando que, no caso brasileiro, onde até mesmo o Judiciário está comprometido com a estratégia política, dificilmente uma pessoa condenada injustamente terá chances de ser reabilitada.
Já Paulo Moreira Leita alerta que a condenação arbitrária é um indício de que a democracia corre riscos:
“Toda a vez que um estado de exceção avança, que ele procura se consolidar, ele atinge a dignidade humana, fere os direitos humanos, prende sem motivo, condena de maneira arbitrária. É assim que funciona. É por isso que a questão humana - apresentada no livro de Miruna - é importante”. 
A importância das redes sociais
Quando perguntada se, com a publicação de Felicidade Fechada, a história de Genoíno terminava bem, Miruna respondeu que as experiências negativas jamais serão apagadas, incluindo os traumas que ficaram na família, atingindo seus filhos pequenos que foram expostos ao holofote das câmeras.
"O que passamos, passamos, porém, saímos fortalecidos e, de alguma maneira, encontramos formas de sobreviver a esse linchamento midiático", recorda.
Ela dividiu o período de angústia em duas fases, a primeira, e mais difícil, foi quando ocorreu a denúncia do suposto envolvimento de Genoíno com o esquema de corrupção.
"Levamos um susto muito grande pelo volume que a acusação tomou e também porque a gente se viu muito sozinho, amigos se afastaram e pessoas desconfiaram, efetivamente, de que ele era inocente", lembrando que, naquele momento, a força das redes sociais e da mídia alternativa era praticamente inexistente.
"O único canal que eu usei foi o e-mail, um dos poucos textos que fiz e que ficou conhecido foi o 'Suco de Limão e queijadinha', que está no livro e que eu enviei para poucos amigos da faculdade, para a família, para as tias, as primas, e lia algumas vezes em encontros do PT". 
A segunda fase mais difícil foi quando ocorreu a condenação, porém, naquele momento, as redes sociais e a mídia alternativa já estavam mais consolidados.
"A gente continuou sofrendo linchamento, mas a gente conseguiu se fortalecer tendo outros espaços que iam abrindo caminhos para a gente poder recontar e trazer a nossa história", completa.
Um dos maiores símbolos do fortalecimento do apoio que a família recebeu foi quando o Supremo, além da condenação, estabeleceu uma multa de R$ 700 mil.
"A gente não sabia o que fazer para arcar com esse valor. Ali eu tomei a frente e tive que organizar aquela campanha de arrecadação, sozinha, recebendo críticas inclusive de gente da mídia alternativa, com medo que desse errado, e a resposta foi muito impressionante. A gente recebia mensagens de pessoas que foram em casas lotéricas depositar dez reais, quinze reais”.
A mídia como assassina de reputação
Miruna acrescenta que, desde a primeira denúncia, a mídia condenou José Genoíno e, junto, a sua família, que também foi atropelada no processo de exposição excessiva e com pouquíssimo espaço para a defesa do político. 
Outro ponto bastante explorado pela pedagoga no livro foi o acampamento de jornalistas na porta de casa, enquanto aguardavam a prisão de Genoíno, chegando, inclusive, a invadir a garagem do sobrado de classe média, no bairro Butantã, em São Paulo.  
"Independentemente da pessoa diretamente envolvida a gente não pode esquecer da família dela e do espaço de cada um. Mesmo hoje em dia a gente tem que tomar cuidado quando fazemos também um ato, por exemplo, na casa do atual presidente [Temer], porque independentemente do que eu penso dele, ele tem sua trajetória e a casa dele é a casa dele. A gente tem que fazer um exercício de separar as escolhas políticas de cada um do seu espaço privado". 
Maria Inês Nassif completa que o livro de Miruna, além de comovente, tem um papel importante para mostrar o estrago do linchamento político da vida das pessoas, relembrando situações de repercussão nacional, como a Escola Base e a do ministro Alcemir Gerra, do governo Collor.
"Gerra comprou briga com a Fundação Nacional de Saúde, que todo mundo sabia que era um antro de bandidos, e acabou sendo denunciado por um crime que, posteriormente, a justiça considerou que ele não cometeu. Ele foi inocentado".
Moreia Leite, por sua vez, destaca que o papel de Felicidade Fechada está em mostrar o lado humano de figuras públicas que sofreram linchamento:
“Existe um lado da personalidade política que não se cobre, e que certamente é o lado que atinge o cidadão comum, que mostra a dignidade de uma pessoa. Lendo o livro da Miruna, ela conta a vida de Genoíno, que andava 14 quilômetros todo o dia para ir para a escola. Estamos falando de um sujeito que foi para a guerra do Araguaia, lutar e arriscar a vida".
Miruna explica para o GGN porque discorda de protestos realizados em frente a casa de Temer:

https://jornalggn.com.br/noticia/quando-a-imprensa-promove-o-linchamento-segundo-miruna-genoino

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

‘EM MUITOS PAÍSES CIVILIZADOS, OS CONDUTORES DA LAVA JATO ESTARIAM PRESOS’

Após a operação na UFMG, o desembargador Lédio Rosa de Andrade, do TJ-SC, denuncia um plano “para atacar as universidades”; Não se sabe até que ponto esse planejamento é “consubstanciado em provas” de crimes dentro da universidade ou é um “planejamento para destruir a universidade”, diz; “Aliás, a gente não sabe nem o que é a Lava Jato mesmo”, afirma; “Estão sendo feitas verdadeiras barbaridades sob o ponto de vista jurídico e das conquistas civilizatórias em termos de Estado democrático de Direito, com a complacência dos tribunais superiores. Considerando o que está sendo feito na Lava Jato, em muitos países civilizados do mundo, os condutores estariam presos por ofensa à ordem democrática”.

Marco Weissheimer, Sul 21 - O discurso emocionado feito pelo desembargador Lédio Rosa de Andrade, magistrado no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na sessão fúnebre em homenagem ao reitor Luiz Carlos Cancellier, ganhou repercussão nacional ao denunciar a implantação de uma ditadura no Brasil e a ameaça do retorno do fascismo no país. Em sua fala, o desembargador fez, ao mesmo tempo, um alerta e uma convocação para enfrentar essa ameaça: “Esta noite fiquei a pensar quando a humanidade errou e não parou Hitler no momento certo, quando a humanidade errou e não parou Mussolini no momento certo… Eles estão de volta. Será que vamos errar de novo e vamos deixá-los tomar o poder? A democracia não permite descanso. Eles [os fascistas] estão de volta. Temos que pará-los”.
Passados pouco mais de dois meses do trágico suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, a Polícia Federal segue realizando operações em universidades públicas, como ocorreu na semana passada na Federal de Minas Gerais e na própria UFSC, mais uma vez. “Não há dúvida de que existe um planejamento para atacar as universidades. A gente não sabe ainda até que ponto esse planejamento é consubstanciado em provas de uma série de crimes dentro da universidade ou é um planejamento para destruir a universidade”, diz Lédio Rosa de Andrade, em entrevista ao Sul21.
“Aliás”, acrescenta o desembargador, “a gente não sabe nem o que é a Lava Jato mesmo. Temos apenas hipóteses. O que se sabe é que há processos muito bem estruturados pela Polícia Federal para atacar a universidade”. No Brasil, afirma ainda o magistrado, “estão sendo feitas verdadeiras barbaridades sob o ponto de vista jurídico e das conquistas civilizatórias em termos de Estado democrático de Direito, com a complacência dos tribunais superiores. Considerando o que está sendo feito na Lava Jato, em muitos países civilizados do mundo, os condutores estariam presos por ofensa à ordem democrática”.
Sul21: Após a morte trágica do reitor Luiz Carlos Cancellier foram tomadas algumas iniciativas para apurar as circunstâncias em que ela ocorreu e a responsabilidade de autoridades envolvidas no caso. Qual o estágio atual dessas apurações?
Lédio Rosa de Andrade: A situação, na minha ótica, é horrível. Neste exato momento em que estou falando contigo [dia 7 de dezembro, quinta-feira], a Polícia Federal invadiu novamente a nossa universidade. Estamos vivendo, efetivamente, a volta de uma ditadura, diferente da de 64, mas uma ditadura. Não tem outra palavra para definir o que está acontecendo. Estão utilizando uma interpretação totalmente afrontosa à legislação penal para, coercitivamente, levar pessoas que nunca foram intimadas a depor em lugar nenhum. A lei é clara. Você só pode levar alguém em uma condução coercitiva se essa pessoa se nega a depor. A partir da Lava Jato a interpretação é de que o juiz pode mandar levar alguém em condução coercitiva ou prender e pronto.
Estão fazendo isso como prática corriqueira. Eu não posso negar que seja possível a existência de crimes dentro da universidade. Onde há seres humanos, evidentemente, podem ocorrer crimes. Agora, a forma como estão agindo, deliberadamente ostensiva e violenta, não tem justificativa na história de qualquer estado democrático de direito em qualquer parte deste planeta.
Sul21: Esta nova ação da Polícia Federal na UFSC se refere ao mesmo caso da anterior?
Lédio Rosa de Andrade: Hoje (7), a gente não sabe exatamente. Pelo que li na imprensa, a polícia declarou que não tem relação com o outro processo.
Sul21: Chama a atenção que ela ocorreu um dia depois de outra ação da Polícia Federal na Universidade Federal de Minas Gerais…
Lédio Rosa de Andrade: Não há dúvida de que existe um planejamento para atacar as universidades. A gente não sabe ainda até que ponto esse planejamento é consubstanciado em provas de uma série de crimes dentro da universidade ou é um planejamento para destruir a universidade. No Brasil, lamentavelmente, essas coisas ocorrem. Nós não sabemos o que está acontecendo. Aliás, a gente não sabe nem o que é a Lava Jato mesmo. Temos apenas hipóteses. O que se sabe é que há processos muito bem estruturados pela Polícia Federal para atacar a universidade. Vamos esperar para ver se esse ataque é justificável ou não.
Sul21: O senhor tem uma hipótese que considera mais plausível acerca da natureza da Lava Jato?
Lédio Rosa de Andrade: Não tenho. Não consegui até hoje compreender isso com clareza. Não gosto de fazer hipóteses sem um mínimo de fundamento. Não consegui ainda ver um fundamento concreto que explique o que está acontecendo. O que vejo é que as coisas estão acontecendo de forma errada. Considerando o que está sendo feito na Lava Jato, em muitos países civilizados do mundo, os condutores estariam presos por ofensa à ordem democrática. No Brasil, estão sendo feitas verdadeiras barbaridades sob o ponto de vista jurídico e das conquistas civilizatórias em termos de Estado democrático de Direito, com a complacência dos tribunais superiores. O Supremo e o STJ estão avalizando práticas de primeiro grau que, evidentemente, são práticas ilegais. Isso eu não consigo entender.
Sul21: O reitor da Universidade Federal do Paraná escreveu um artigo na semana passada lembrando que, em um ano, quatro das maiores universidades federais do país foram alvo de operações da Polícia Federal com agentes fortemente armados e grande repercussão midiática. Isso não parece ser uma coincidência…
Lédio Rosa de Andrade: Tudo indica que não é. Chama a atenção a forma como essas operações vêm sendo feitas, com policiais mascarados. Essas são situações incompatíveis com uma universidade. Por mais que a polícia tenha que usar máscaras para algumas coisas com o objetivo de salvaguardar o policial, nós estamos falando da universidade. Não é preciso invadir a universidade com policiais mascarados. Não precisa nada disso. Efetivamente, são coisas planejadas com o intuito muito claro de agredir a universidade, que é o que está acontecendo.
Sul21: Na sua fala em homenagem ao reitor Cancellier, o senhor disse que nós estaríamos vivendo a pior das ditaduras. Em que sentido essa seria a pior das ditaduras?
Lédio Rosa de Andrade: Todas as ditaduras são ruins. Não tem ditadura boa e ditadura ruim. Usei o termo “pior” no sentido das dificuldades para combatê-la. Quando uma ditadura é ostensiva, como as ditaduras militares que tivemos na América Latina ou ditaduras comunistas, onde o Estado é o agressor direto e visível, você sabe que ali tem um inimigo e a tendência é você se organizar para combater a violência ilegítima do Estado. Agora, quando a ditadura vem travestida de justiça, como se estivesse fazendo o bem e não o mal, para a maioria leva mais tempo para cair a ficha. Ela perdura um tempo como algo bom e legitimado. Uma ditadura que consegue, através de um discurso falso, de um discurso ideológico alienante e enganador, ter a complacência e até o aplauso da população é uma ditadura que não será combatida até que as pessoas se dêem conta de que foram enganadas. Por isso que eu digo que ela é pior. Está travestida de bondade, quando, na verdade, é pura maldade.
Sul21: Como integrante do Judiciário e professor de Criminologia na UFSC, qual a sua avaliação sobre o papel que o poder Judiciário vem desempenhando em todo esse processo? A maioria desse poder apoia as práticas que estamos vendo ou há uma disputa mais ou menos equilibrada dentro dele?
Lédio Rosa de Andrade: O que tenho dito, onde tenho tido espaço para me manifestar, é que o Judiciário, apesar de ser extremamente conservador e reacionário em alguns casos, ainda não tem uma maioria que compactua com os desrespeitos ao Estado Democrático de Direito. O que é assustador é que maioria do Judiciário está absolutamente silenciosa. O que está fazendo com que as pessoas se mantenham caladas assistindo a todas essas barbaridades que estamos vendo. Isso é difícil de entender. Eu não diria que a maioria dos integrantes do Judiciário tem uma postura ideológica fascista, como são fascistas essas práticas sobre as quais estamos conversando. Apesar de conservador, o poder Judiciário não tem uma maioria de membros fascistas. Ele tem uma maioria de membros conservadores, isso sim.
Sul21: Como o senhor definiria o papel que o Supremo Tribunal Federal vem desempenhando nesta conjuntura?
Lédio Rosa de Andrade: Na minha opinião, o Supremo está deixando escapar, inclusive simbolicamente, o resguardo irrestrito do sistema constitucional. No momento em que avaliza práticas que afrontam o Estado Democrático de Direito, como permitir a prisão das pessoas sem trânsito em julgado, em nome da agilidade da Justiça. Isso afronta a Constituição claramente. Não só isso. No momento em que o Supremo fica inerte diante do desrespeito de suas próprias decisões como, por exemplo, a súmula 11, que proíbe o uso de algemas salvo em situações onde a pessoa realmente represente perigo. Hoje, a polícia vai na universidade, usa a condução coercitiva de forma ilegal e o Supremo fica inerte, assistindo tudo isso pela televisão . Com isso, ele perde a sua capacidade de ser o guia brasileiro do respeito ao Estado Democrático de Direito.
Sul21: Na sua fala em homenagem ao reitor, o senhor também fez um alerta e uma convocação sobre a necessidade de lutar para enfrentar o retorno do fascismo no Brasil. Saindo da esfera exclusiva do Judiciário, na sua visão, como essas práticas fascistas estão se manifestando na sociedade?
Lédio Rosa de Andrade: O tema sobre o qual estamos falando é de grande complexidade. Para entendê-lo, é preciso ir passo a passo. Todo o Estado que passa por um processo de crise e que possui uma estrutura sociopolítica injusta, cria na população determinados devaneios que são até justificáveis em certa medida. A população que está submetida a uma estrutura injusta de vida, que passa fome e necessidades materiais básicas, ela acredita em qualquer coisa para enfrentar essa situação de penúria. Os valores do Estado Democrático de Direito não fazem parte da vida cotidiana de milhões de pessoas que vivem nas periferias. Essas pessoas não usufruem materialmente dos benefícios do Estado Democrático de Direito que garante os direitos individuais das pessoas incluídas. Já as pessoas excluídas não possuem, na democracia, um valor de vida e trocam com muita facilidade qualquer valor democrático por segurança e trabalho.
Se vem um aventureiro, que tem por trás dele toda uma estrutura fascista de modo vida mas promete segurança e trabalho, as pessoas aceitam isso. Elas não estão preocupadas em preservar os valores da democracia porque estão passando necessidades básicas mesmo. Eu não posso falar mal das pessoas que vivem nestas condições. Nós não passamos fome, vendo os filhos chorar por que não tem o que comer. O Brasil atravessa uma forte crise de injustiça social, que perdura por anos, e a população está aceitando, no âmbito político, propostas que sacrificam a democracia, prometendo algo que não vão cumprir.
Sul21: O senhor viveu o golpe e a ditadura que se instalou em 64. Há alguma comparação que se possa fazer entre o que aconteceu naquela época e o que estamos vendo hoje?
Lédio Rosa de Andrade: Uma das principais diferenças é a conjuntura internacional. A ditadura de 64 foi estabelecida no contexto da guerra fria com evidente patrocínio norte-americano. Foi um projeto mundial do sistema capitalista que foi implantando ditaduras nos países periféricos. Isso não existe mais com essas características. Mas o espírito fascista nunca acabou. Seguem existindo pessoas com pensamento autoritário que não convivem no seu cotidiano com os pressupostos do Estado Democrático de Direito. Isso segue vivo e está ameaçando voltar.
Sempre me preocupei mais com o cotidiano das pessoas do que com as teorias. Estas, muitas vezes não dão certo porque não levam em conta que, lá na ponta, estão seres humanos que vão agir ou não conforme a teoria. Milhares de pessoas têm uma estrutura de pensamento que é fascista mesmo. O ser humano, psiquicamente, se dá muito bem com a violência, gosta dela e a pratica com prazer. Estamos sempre convivendo com isso.
Sul21: Em 2018, em tese, teremos eleições. Considerando que elas ocorram numa situação de legalidade, em que medida, na sua opinião, elas podem levar a uma superação da atual crise política?
Lédio Rosa de Andrade: O sistema representativo da democracia ocidental nem sempre é uma garantia de mudança. O sistema eleitoral, para que tenha condições de mudanças, necessita de uma população que tenha condições materiais de decidir. Uma coisa é o que acontece na Islândia, por exemplo, onde o povo vai para a rua, derruba governo, impede o pagamento da dívida resultante da exploração do sistema financeiro e colocam uma jovem feminista para governar o país. Eles têm condições, sem rupturas maiores, de mudar o país por meio do sistema representativo.
Não acredito que o Brasil tenha condições de fazer isso. Obviamente não estou defendendo o fim do sistema representativo e das eleições, mas precisamos evoluir para que o nosso sistema representativo funcione de maneira onde as pessoas, de fato, tenham condições materiais, de conhecimento e de educação básica mínima para raciocinar e poder tomar uma decisão política sobre o que é melhor para o país. Se mantivermos um processo eleitoral marcado pela enganação, pelo engodo e falsas promessas, onde o dinheiro é o principal motor, não temos como esperar grandes mudanças.
Sul21: Passados pouco mais de dois meses da tragédia envolvendo o reitor Cancellier, qual é o clima dentro da UFSC?
Lédio Rosa de Andrade: Foi muito difícil fechar o semestre. As pessoas estavam muito abatidas em um ambiente de tristeza e desânimo totalmente distinto da história da universidade. Foi um semestre muito difícil. Agora, estamos em um momento de provas finais e de término de atividades. Muitos dos professores terminaram as aulas mais cedo. Eu fui um deles. Não tinha mais condições nem ambiente para seguir as aulas. Eu diria que ainda estamos vivendo um momento de forte impacto, onde não se sabe bem o que vai acontecer.
https://www.brasil247.com/pt/247/rs247/331520/%E2%80%98Em-muitos-pa%C3%ADses-civilizados-os-condutores-da-Lava-Jato-estariam-presos%E2%80%99.htm

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

O que Tacla Durán disse na CPMI que precisa ser aprofundado, por Joaquim de Carvalho

O que Tacla Durán disse na CPI que precisa ser aprofundado
por Joaquim de Carvalho
O depoimento do advogado Rodrigo Tacla Durán à CPMI da J&F durou três horas e 54 minutos, entre a manhã e o início da tarde de hoje. Durante pelo menos quatro horas, seu nome foi um dos assuntos mais comentados do Twitter, segundo o ranking da rede social, o Trends Topics. Mas, para quem acompanha o noticiário nacional pela velha mídia, é como se esse depoimento não tivesse existido.
Tacla Durán prestou serviços a duas empreiteiras investigadas pela Lava Jato, a UTC e a Odebrecht, mas não houve veículo da grande imprensa interessado em registrar o que ele disse. Por quê? Porque Tacla Durán nada contra a corrente e contesta a narrativa predominante de que Sergio Moro e os procuradores da república da Lava Jato são heróis, na batalha contra a corrupção.
Dar-lhe voz é contribuir para destruir mitos e, com isso, desmascarar a farsa da operação, que até aqui produziu como resultado mais expressivo o golpe contra a presidente Dilma Rousseff.
O que disse Durán que merece ser aprofundado:
1 - Ele não fez acordo de delação premiada, mesmo nas condições favoráveis que lhe teriam sido oferecidas por um amigo de Sergio Moro, o advogado Carlos Zucolotto, por considerar que estava sendo extorquido.
Observação: Pode ser mentira de Tacla Durán, mas ignorá-lo não vai esclarecer o caso. Durán apresenta como prova imagem das conversas com Zucolotto através do aplicativo Wickr - que apaga as mensagens depois de seis dias. Durán fez print screen da tela do celular. As imagens das conversas foram analisadas por um perito da Espanha e, segundo Durán, o laudo concluiu que não houve adulteração.
Durán encaminhou o laudo do perito, bem como a cópia das conversas, num anexo de 45 páginas, precedidas por um ofício (veja no final do texto do texto). Pelas conversas, não fica dúvida: Zucolotto tentou vender facilidade.
Pelas conversas, o interlocutor que seria Zucolotto diz que estava negociando o acordo com DD - é possível que seja Deltan Dallagnol. Mas Tacla Durán não quis dizer de quem eram as iniciais e sugeriu que o amigo de Moro esclareça.
Depois que Dallagnol assumiu a compra de imóveis do Minha Casa, Minha Vida, para especular, atravessando famílias que necessitam de apartamentos a preços mais baixos, uma coisa é certa: Dallagnol faz negócios.
Só para registrar: a compra de imóveis do Minha, Minha Vida, ainda que por pessoas que recebam supersalários (caso de Dallagnol), é legal. E Zucolotto também podia estar usando o nome de DD sem conhecimento deste.
Tacla Durán tem ainda a favor da sua narrativa um antecedente: Zucolotto foi correspondente de seu escritório em Curitiba, conforme documentação apresentada à Receita Federal, quando ele foi investigado, entre 2014 e 2016, sob a suspeita de crime contra a ordem tributária — simular atividade profissional para não recolher imposto.
O juiz Sergio Moro teve um comportamento estranho diante da acusação contra Zucolotto. Embora não fosse acusado de nada, saiu em defesa do amigo, em nota oficial, em que existe pelo menos uma informação que não é verdadeira: ao contrário do que disse Moro, Zucolotto teve, sim, atuação na área criminal, no caso em que Moro processou o advogado Roberto Bertholdo por calúnia, injúria e difamação, há cerca de dez aos, por ter sido acusado de favorecer réus e aceitar provas ilícitas, em acordos de colaboração da época.
O que fazer: Zucolotto teria que ser ouvido pela CPMI para dar explicações. Tacla Durán o acusa de vender facilidade em delação premiada. É uma acusação grave e precisa ser esclarecida. Depois que a jornalista Mônica Bergamo noticiou que a acusação contra Zucolotto constava no livro que Durán começou a escrever, o amigo de Moro fez alterações em seu facebook, e apagou imagens em que ele aparecia com o juiz. A imagem que circula na internet, com Zucolotto atrás de Moro, num show de Samuel Rosa, foi copiada antes que ele a deletasse. A CPMI também tem poderes para quebrar os sigilos bancários, telefônicos e de comunicações digitais de Zucolotto. Com isso, será possível saber de sua relação com os integrantes da Lava Jato. Segundo Durán, ele teria dito que precisava receber honorários por fora para pagar quem o estava ajudando no acordo de delação.
2 - A Lava Jato lhe propôs delação a la carte.
Observação: Rodrigo Tacla Durán narrou o episódio em que o então procurador Marcello Miller lhe apresentou uma alista de políticos e perguntou se podia incriminar algum deles. A colaboração tem que espontânea, não pode ser induzida.
O que fazer: a CPMI pode aprofundar o tema com um novo depoimento de Marcello Miller. Também pode denunciar o caso ao Conselho Nacional do Ministério Público e à Corregedoria do Ministério Público Federal — é quase certo que não dará em nada, mas obriga os órgãos de auto-controle a se posicionar.
3 — A Odebrecht (ou a Lava Jato) plantou provas falsas nos acordos de delação premiada e nas operações de busca da Polícia Federal.
ObservaçãoQue provas são estas? Extratos bancários falsos do Meinl Bank, a instituição de Antígua que a Odebrecht usava para pagar propina. Isso é crime de fraude processual.
O que fazer: ouvir o ex-procurador geral Rodrigo Janot, responsável pelo Ministério Público Federal na época em que esses acordos e essas provas foram produzidos.
4 — O presidente e um diretor da UTC, Ricardo Pessoa e Walmir Pinheiro, mentiram à Procuradoria da República ao dizer que era ele, Tacla Durán, quem faziam as operações de câmbio ilegais.
Observação: essa acusação, feita bem depois do acordo de delação premiada, foi usada para vincular Tacla Durán ao caixa 2 da Odebrecht e, com isso, apertar o cerco contra o PT. Segundo os denunciantes, Tacla Durán entregava a cada dois meses pacotes de reais na garagem da sede da empresa. Mas a própria empresa diz que não tem registros de sua entrada na recepção nem imagens de vídeo. É uma acusação com jeitão de cascata. Para saber se Tacla Durán esteve ou não lá, poderia ser feita uma investigação de seu deslocamento, a partir dos registros das operadoras de telefonia. Não é difícil.
O que fazer: a CPI, além de fazer perguntas a Janot, pode chamar os diretores da UTC.
5 — Um consultor financeiro, Ivan Carratu, ligado à UTC, teria lhe recomendado contratar um advogado da "panela de Curitiba", para acertar a delação.
Observação: essa recomendação lhe teria sido feita por conversa de WhatsApp, cuja cópia foi entregue à CPMI, periciada.
O que fazer: A partir dessa prova, deve ser chamado para depor o consultor financeiro Ivan Carratu.
6 — A Lava Jato ameaçou perseguir parentes de Tacla Durán se ele não fizesse um acordo de colaboração premiada.
Observação: Em razão dessas ameaças, a mulher, a ex-mulher, os filhos, a irmã e a mãe de Tacla Durán deixaram o Brasil e foram morar com ele na Espanha.
O que fazer: É preciso ouvir Rodrigo Janot ou integrantes da Lava Jato para que respondam à acusação, muito grave, pois remonta aos períodos mais sombrios da história do Brasil, os porões da ditadura militar.
7- O Meinl Bank adulterou a contabilidade para impedir o rastreamento de recursos, para ficar com ativos que nunca seriam liberados, bem como proteger delatores.
Observação — Os publicitários João Santana e Mônica Moura tiveram receitas através de contas não reveladas pela Lava Jato — nesse caso, com a aplicação de tarjas sobre registros de movimentação bancária.
O que fazer — Tomar o depoimento dos acionistas do Meinl Bank — dois deles também ex-executivos da Odebrecht —, e de João Santana e Mônica Moura.
8 — Sergio Moro está violando acordos internacionais ao processar no Brasil quem tem outra nacionalidade.
Observação: A Espanha se dispôs a conduzir o processo contra Tacla Durán, no território espanhol, com base nas leis espanholas, mas, para isso, recomendou que o Brasil envie as provas que Moro tem da suposta conduta criminosa do advogado. Moro não fez isso e encaminhou uma citação, para que Durán tome conhecimento lá do processo que ele quer conduzir no Brasil e se defenda, sob pena de ser processado à revelia. Na prática, Moro está estendendo sua jurisdição para o território europeu. Isso nunca será aceito, mas mostra o que pode ser interpretado como comportamento abusivo do magistrado.
O que fazer: solicitar documentos que comprovem o que disse Tacla Durán — a fonte é o Ministério da Justiça e também o Ministério das Relações Exteriores, que mediam o diálogo entre as justiças da Espanha e do Brasil, com base em acordos internacionais. O resultado dessa análise deve ser registrado no relatório da CPMI. Além disso, a comissão deve oficiar o Conselho Nacional de Justiça sobre o que pode ser interpretado como comportamento abusivo de um magistrado. Jurisdição planetária não existe.
Além de aprofundar esses pontos, a CPMI tem a oportunidade de analisar todo o material que foi encaminhado por Tacla Durán. São extratos bancários, registros de conversas por aplicativo, cópias de e-mails e ofícios.
A partir daí, pode determinar diligências, perícias ou novos depoimentos. Não havendo dúvidas sobre a veracidade das informações que comprovem ou indiquem irregularidades ou ilegalidades, esse material pode ser subsidiar um capítulo do relatório.
A CPMI da JBS/J&F foi criada a partir de um fato determinado — o acordo de delação premiada que deu aos controladores e diretores da empresa imunidade judicial (na prática, já revogada, pois eles estão presos) —, mas, através dela, pode haver recomendação para mudanças que aperfeiçoem a legislação.
Até aqui, a CPMI tem demonstrado que é preciso haver controle institucional sobre quem tem a prerrogativa de investigar a tudo e a todos, naturalmente sem tirar-lhes a independência. O limite é a lei, mas parece que os integrantes do Ministério Público e o Judiciário não parecem temê-la, pois parecem contar  que, no caso deles, não há sanção. Lei sem pena é inócua.
O Brasil precisa de uma lei para punir abusos de autoridade.
O restante aqui:
https://jornalggn.com.br/noticia/o-que-tacla-duran-disse-na-cpmi-que-precisa-ser-aprofundado-por-joaquim-de-carvalho