“Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data”
Luís Fernando Veríssimo

terça-feira, 22 de abril de 2014

Lalo Leal: o rádio, uma força esquecida

Se tecnologicamente o rádio evoluiu, o mesmo não se pode dizer de seu conteúdo. Entregue ao controle de empresas comerciais, acaba prestando reduzidos serviços à população


Há um ator importante pouco lembrado nas campanhas eleitorais. Ele integra o conjunto de meios de comunicação com capacidade para influir no voto de muita gente. E é o segundo meio de comunicação mais utilizado pela população (61% fazem isso), como mostra pesquisa do Ibope, realizada a pedido da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Só perde para a TV, que é vista regularmente por 97% dos brasileiros.
A atenção e as críticas feitas à TV são justas, proporcionais a sua abrangência. Com relação ao rádio, no entanto, a força é subestimada. Como o gato, que dizem ter sete vidas, a resiliência do rádio é histórica. Com transistores e FMs contornou, no passado, a concorrência da TV e, mais recentemente diante da internet, incorporou-se a ela ganhando alcance global, sem os velhos chiados das ondas curtas.
Se tecnologicamente o rádio evoluiu, o mesmo não se pode dizer em relação ao seu conteúdo. Entregue ao controle de empresas comerciais, acaba prestando reduzidos serviços à população. Ao corrermos o dial em qualquer cidade brasileira, temos raras opções de qualidade. Ouvimos pregações, músicas de gosto duvidoso, noticiários que misturam jornalismo com propaganda política disfarçada, ressalvando-se as exceções de praxe representadas, quase sempre, pelas emissoras públicas.
Nem sempre foi assim. Sem TV, o rádio reinou soberano com as grandes orquestras, os programas musicais, as coberturas esportivas e as notícias em tempo real. As ondas curtas traziam as informações da guerra através de emissoras estrangeiras, as mesmas que durante a ditadura (1964-1985) eram as únicas fontes de informação confiáveis sobre o que ocorria em nosso pais.
Sem dúvida esse poder encolheu, mas não desapareceu. Continua forte, sem despertar muita atenção. Os chamados comunicadores populares falam para milhões de pessoas todas as manhãs (o horário nobre do rádio) em várias cidades brasileiras. Em linguagem coloquial, decodificam para o seu público os textos dos jornais impressos, geralmente acompanhando e enaltecendo as opiniões invariavelmente conservadoras neles publicadas.
O subproduto dos engarrafamentos de trânsito, rotineiros nas cidades brasileiras, é o aumento da audiência do rádio. Em busca de notícias, o motorista, quando as encontra, é obrigado a ouvir também comentários sobre variados assuntos, com destaque para aqueles frequentes nos quais o país é sempre apresentado como se estivesse à beira do abismo.
Mas a importância do rádio num país como o nosso não fica por ai. Em época de tablets e facebooks, as velhas cartinhas escritas à mão ainda chegam, por exemplo, pelo correio, aos estúdios da Rádio Nacional da Amazônia, em Brasília. Solicitam músicas, mas também pedem que sejam dadas notícias sobre a chegada de parentes, remédios ou de outras encomendas pelos barcos que circulam na região. A abrangência territorial e cultural do rádio evidencia o poder do seu papel político-eleitoral. Seus controladores fazem política todos os dias, a todas as horas, só existindo dois momentos de trégua. Um diário, ocupado pela Voz do Brasil, e outro sazonal, representado pelo horário eleitoral obrigatório que antecede as eleições. Neste ano, começa em 19 de agosto.
São momentos de equilíbrio político, conquistas da sociedade brasileira, mesmo com deficiên­cias na sua distribuição e controle. Para aprofundar a democracia, é fundamental que esses espaços se ampliem. O caminho mais eficaz para isso é a existência de uma legislação – semelhante à da Argentina – que abra espaço no rádio (e também na TV) para as mais variadas correntes políticas existentes na sociedade. Para que elas possam se expressar todos os dias e não apenas às vésperas das eleições, como ocorre hoje.

http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/94/o-radio-uma-forca-esquecida-6675.html

quarta-feira, 16 de abril de 2014

A estratégia tucana para privatizar a Petrobras



Por Cláudio Puty

Os tucanos passaram oito anos no poder tentando, de todas as formas, privatizar a nossa maior empresa, a Petrobras, criada em 1953 na esteira da campanha nacionalista ‘O petróleo é nosso.’

Agora, a pretexto de investigar supostas irregularidades na compra, pela estatal, de uma refinaria em Pasadena (Texas) em 2006, a oposição procura enfraquecer a imagem da empresa, uma das maiores conquistas do povo brasileiro. Essa é a principal função da CPI pedida no Senado. A estratégia antinacional traçada pelo Estado-Maior da oposição conservadora e levada a cabo pelo ‘general’ Aécio Neves é mostrar que os governos Lula e Dilma levaram a empresa à bancarrota. Entretanto, se nos dermos ao trabalho de comparar a desastrosa gestão da Petrobras durante a gestão FHC com os resultados obtidos por ela desde 2003, constataremos que a atual campanha da oposição não passa de cortina de fumaça para uma nova investida para a privatização da estatal. Tanto que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso voltou a defender essa medida, numa afronta à memória de seu tio, o general Felicíssimo Cardoso, um dos líderes da campanha pela criação da Petrobras.


O fato é que as ações de FHC no poder mostram coerência do tucanato com o ideário privatista. Em 1994, ainda como ministro da Fazenda de Itamar Franco, ele manipulou a estrutura de preços dos derivados de petróleo de forma que, nos últimos seis meses que antecederam a implantação do Plano Real, a Petrobras teve aumentos de combustíveis 8% abaixo da inflação, enquanto que as distribuidoras tiveram aumentos 32% acima da inflação. Com isso, houve uma transferência do faturamento da Petrobras para o cartel das distribuidoras, cerca de US$ 3 bilhões anuais. Já como presidente, FHC pressionou a Petrobras para que ela assumisse os custos da construção do gasoduto Brasil-Bolívia, obra que beneficiava a Enron e a Repsol, donas das reservas de gás boliviano. Ocorre que a taxa de retorno do gasoduto era 10% ao ano e o custo financeiro, 12%, mas a
Petrobras foi obrigada a desviar recursos da Bacia de Campos – com taxa de retorno de 80% – para investir nesse empreendimento. A empresa também teve que assinar uma cláusula que a obrigava a pagar pelo gás boliviano mesmo que não o comprasse. Com isso, pagou por cerca de 10 milhões de metros cúbicos sem ter conseguido vendê-los.

Em 1998 o governo federal impediu a Petrobras de obter empréstimos no exterior de emitir debêntures para a obtenção de recursos para novos investimentos. Ao mesmo tempo, FHC criou o Repetro (regime aduaneiro especial), isenção fiscal às empresas estrangeiras que importam equipamentos de pesquisa e lavra de petróleo, sem a devida contrapartida para as empresas nacionais. Com isso, cinco mil empresas brasileiras fornecedoras de equipamentos para a Petrobras quebraram, provocando desemprego e perda de tecnologia nacional. Em 2000, o então presidente da Petrobras, Henri Philippe Reichstul, levou Pelé a Nova York para o lançamento de ações da Petrobras na Bolsa de Valores de Wall Street. O governo vendeu, então, 20% do capital total da estatal e, posteriormente, mais 16%, pelo valor total de US$ 5 bilhões. No mesmo ano, os tucanos privatizaram a Refinaria Alberto Pasqualini (Refap) por meio de troca de ativos com a Repsol argentina, do grupo Santander, braço do Royal Scotland Bank Co. Nessa transação, a Petrobras deu ativos no valor de US$ 500 milhões e recebeu ativos no valor de US$ 500 milhões. Soma zero? Não, porque os ativos da estatal brasileira eram avaliados em US$ 2 bilhões e os que ela recebeu passaram a valer US$ 170 milhões, em razão da crise financeira da Argentina. Nada simboliza melhor esse período nefasto do que o naufrágio da plataforma P-36, com 11 mortes e prejuízos de US$ 2 bilhões.

A privatização da Petrobras foi revertida pelos governos do PT, mas agora os demo-tucanos pensam ter encontrado o pretexto ideal para colocá-la novamente na agenda. Para desespero da oposição, os números representados pela estatal são a melhor arma contra a estratégia de desmoralização. A produção média mensal de petróleo na camada de pré-sal atingiu a marca de 387 mil barris/dia, novo recorde. A estatal também bateu recorde de processamento de suas refinarias, com uma média de 2.151 mil barris de petróleo por dia. E também foi recorde a produção de diesel e gasolina com baixo teor de enxofre, com 24 milhões de barris de diesel e 14,8 milhões de barris de gasolina. Em relação ao gás natural, a Petrobras ultrapassou, pela primeira vez, a barreira dos 100 milhões de metros cúbicos por dia (101,1 milhões).

Claudio Puty é deputado federal (PT-PA), vice-líder do governo no Congresso Nacional.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

O papel do jornal Última Hora durante o golpe

Ana Flávia Marx
Na data em que é marcada por um dos episódios mais tristes da história brasileira, 50 anos do golpe militar, é inegável o papel da grande e velha imprensa neste ato. Contudo, há uma luz no fatídico episódio: o papel do jornal Última Hora, único grande jornal contrário ao golpe e o único que defendeu Jango.
jornal-samuel
Samuel Wainer observa a impressão de seu jornal
O jornal do chamado 'Profeta' Samuel Wainer, criado em 1953, a partir da negação da tese da “imparcialidade” e com o apoio do então presidente Getúlio Vargas, foi o primeiro alvo dos militares junto com a sede da União Nacional dos Estudantes. Com grande circulação nas camadas populares, os golpistas precisaram agir rápido para que o veículo não fosse pilar de alguma reação.
Diferente dos outros jornais que articularam junto com os militares e empresários o golpe, desde o seu início, Última Hora imprimia em suas páginas claro posicionamento político.

Em seus editoriais defendia incisivamente os trabalhadores, a democracia, o desenvolvimento e a soberania nacional. Portanto, sabia que em pleno período da guerra fria, as incertezas com a renúncia de Jânio Quadros trariam conflitos com forte influência da mão pesada dos Estados Unidos.

As evidências vinham da própria boca das lideranças, principalmente de esquerda, que Wainer tinha relações e mantinha constantes diálogos.

Menos de um mês antes do golpe, o dono do Última Hora reuniu se em sua casa com Miguel Arraes, que junto com Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes, dialogava com amplos setores da esquerda. Depois de tomar algumas doses de uísque, Arraes disse à Wainer:

- “No dia 13, teu amigo Jango cai, acaba...”, disse estendendo uma das mãos com o polegar para baixo.
As forças de esquerda queriam mais de Jango. Julgavam-no muito conciliador, moderado demais para aqueles tempos de extrema polarização no cenário mundial, em que a economia brasileira sentia os efeitos da luta internacional. Na última viagem aos Estados Unidos, Lyndon B. Johnson mostrou o poderio bélico norte-americano ao presidente Jango em uma contundente forma de intimidação.

Última Hora era um agitador da reformas de base, programa de Jango, e buscava esclarecer com matérias e reportagens especiais sobre as principais reformas. Naquela época, a reforma agrária tinha 74% de apoio, segundo pesquisa Ibope feita em 1964, porém não divulgada.

O próprio presidente Jango tinha uma relação muito próxima com o jornal Última Hora. Uma prova disso é o diálogo, do começo de 1964, em que o presidente comunicou a Samuel Wainer que prenderia Humberto de Alencar Castello Branco, então chefe do Estado Maior do Exército.

A resposta do jornalista é que daria a manchete na primeira página, desde que o cárcere fosse efetivado, senão ficaria desmoralizado. E escutou do presidente:

- “Vou mandar prender o general Castello Branco. Quem está dizendo isso é o presidente da República.”
Depois de dar a grande manchete, quando o jornal não havia nem esquentado nas bancas, João Goulart recebia em audiência o chefe das forças armadas, que já encabeçava as articulações do golpe.

Mesmo com a barriga imposta pelo presidente, o editor do Última Hora manteve contato com o dirigente brasileiro, pelo menos até aquele momento.

No dia 31 de março, por telefone, Jango fez o convite para que Wainer fosse com ele para Brasília, que respondeu:
- 'Não, Jango, não vou. Tu vais defender a tua presidência, eu vou defender o meu jornal.'

Sentindo o “azedume” do golpe, Wainer foi naquele mesmo dia pedir asilo na embaixada do Chile. Como a maioria das pessoas, o jornalista acreditava que o golpe não duraria muito tempo e que seu jornal sobreviveria àqueles tempos atormentadores. Mas as sucursais do Última Hora viveram, de acordo com a realidade política de cada estado, situações diferentes.

O primeiro ato dos correligionários de Carlos Lacerda foi acabar com toda a infraestrutura do jornal. Com o empastelamento, o jornal voltou a circular no dia três de abril, somente com duas páginas, mas com os traços críticos da charge de Jaguar.

Em São Paulo, o jornal retomou a sua rotina depois de 21 dias. 'Quando voltou às bancas, perdera definitivamente a força de outros tempos, vergando-se à anemia que precipitaria sua venda e, mais tarde, a sua morte', escreveu o jornalista em suas memórias.

O jornal chegou a escrever que defendia 'o futuro contra a cobiça dos interesses monopolistas internacionais – o que de resto constitui o centro de toda essa onda conspirativa contra as nossas instituições democráticas'.

Viver em uma ditadura militar era uma missão impossível, como um peixe fora d’água. Sem democracia, que era seu leito e justamente a brecha que havia utilizado para fundar o jornal, sem poder dialogar com os trabalhadores que há mais de duas décadas saiam da área rural em direção às grandes cidades, o jornal que desafiava a ditadura com manchetes como 'Eleições, só de Miss',foi vendido no dia 21 de abril de 1972.