“Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data”
Luís Fernando Veríssimo

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Lula ri enquanto a imprensa de mercado não o esquece jamais

Por Davis Sena Filho — Blog Palavra Livre 

 

Eu sou um jornalista que se interessa por história. Por ser um profissional de imprensa da área de Política, sempre pesquisei para conhecer os políticos, não somente pelo o que eles dizem, apregoam, acreditam e discursam. Antes de qualquer coisa, vou saber de sua biografia, ou seja, investigar seu passado, suas origens políticas, ideológicas e partidárias, bem como sua coerência de pensamento, além de verificar sua obra social quando esteve no poder.



Sempre tive essa conduta. Coisa básica, por exemplo, como ouvir os dois lados envolvidos em quaisquer questões, além de ter cuidado com informações meramente declaratórias, sem, antes, certificar-me da veracidade de quem passa as informações. Porque para o jornalista escrever para o público a informação tem de ter pelo menos algum indício. Do contrário, é melhor não escrever ou falar. Se o fizer, é porque tal jornalista tem algum interesse, nem que seja simplesmente assegurar o seu emprego e assim agradar o seu chefe ou o seu patrão.



Essas atitudes e ações comezinhas, ordinárias, comuns, que qualquer aluno ou foca (jornalista em início de carreira) sabe por meio de qualquer professor de faculdade ou de um colega mais experiente não são realmente observadas e cumpridas por um grande número de jornalistas famosos e veteranos, mas que firmaram compromisso com o patronato, bem como querem garantir que as mudanças sociais e econômicas não ocorram, porque a intenção, de fato, é favorecer a manutenção do status quo, pois que são porta-vozes das elites econômicas e financeiras inquilinas do pico da pirâmide social.



E foi neste contexto perverso que o grande presidente trabalhista, Luiz Inácio Lula da Silva, ascendeu ao poder em 2003, quando, por oito anos, administrou a República Federativa do Brasil e amargou uma oposição promovida e levada a cabo pela imprensa burguesa, comercial e privada, que se transformou em um verdadeiro partido político — o Partido da Imprensa, que realizou no decorrer de seu mandato a mais ardilosa, veemente, traiçoeira, feroz e desrespeitosa campanha que eu já vi contra um político, de perfil trabalhista e ideologicamente socialista, saído das entranhas do povo brasileiro, dos movimentos sociais, dos sindicatos, de setores da universidade pública e da Igreja Católica progressista. 



Lula foi o presidente brasileiro mais politicamente orgânico da história do nosso País; mais ainda que o estadista gaúcho Getúlio Vargas, o fundador, sem sombra de dúvida, do Brasil moderno — industrializado. Como se percebe, os trabalhistas fazem jus ao nome, porque foram eles, no decorrer da história da República, que realmente trabalharam em prol do desenvolvimento e do crescimento do Brasil para que se transformasse em uma Nação moderna e civilizada. Os presidentes conservadores sempre tomaram do povo, e, quando possível, retiraram ou tentaram retirar seus direitos, inclusive os garantidos pela Constituição Cidadã de 1988, como o fez o neoliberal e vendilhão da Pátria, Fernando Henrique Cardoso, e assessores de sua confiança, como o também neoliberal José Serra.



Contudo, a campanha insidiosa e sistemática contra o presidente Lula não foi o suficiente para derrubá-lo apesar da tentativa de golpe em 2005. Apesar das perfídias e das manipulações e até mesmo mentiras veiculadas e publicadas pela imprensa comercial e privada, o político pernambucano de origem pobre e operário de fábrica do ABCD paulista saiu da Presidência da República (apesar de oito anos no poder, o que não é fácil) com o espetacular índice de aprovação de 82%, a superar, nada mais e nada menos, que o mito Nelson Mandela, quando deixou aPresidência da África do Sul.



Lula é um fenômeno político, e, consequentemente, social. O operário, que saiu de Pernambuco e chegou a São Paulo em um pau-de-arara ajudou a fundar a maior confederação de trabalhadores da América Latina e uma das maiores do mundo, a Central Única dos Trabalhadores, a CUT, além de também ser o fundador de um dos partidos mais poderosos e influentes do planeta, que é o Partido dos Trabalhadores — o PT. Somente essas duas criações bastariam para esse político exímio e de uma visão social e política profundamente conhecedora das questões sociais e econômicas brasileiras para que ele ficasse para sempre na história. Mas não foram somente esses dois fatos históricos importantíssimos que aconteceram.



Lula foi eleito presidente da República duas vezes e elegeu sua sucessora, a ministra chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, que nunca teve cargo eletivo e mesmo assim conquistou a cadeira da Presidência da República para se tornar a primeira mulher brasileira assumir cargo de tamanha importância e envergadura. Lula foi às ruas e às praças e também à televisão. Falou muito e mostrou seu legado, que, durante oito anos, foi boicotado e não veiculado pela imprensa alienígena e de negócios privados, que, entretanto, teve de engolir a divulgação das ações do Governo Lula, porque a propaganda eleitoral gratuita se encarregou de mostrar os fatos, as realidades e as conquistas do País e do povo brasileiro.



Se dependesse das mídias hegemônicas e monopolistas, o presidente Lula sequer existiria, a não ser para ser ofendido e taxado até de bêbado. Acontece que o presidente trabalhista entrou e saiu da Presidência sem um arranhão, no que concerne à sua conduta e ao respeito devido ao povo brasileiro. A verdade é quem foram surpreendidos alcoolizados pela PM do Rio e se recusaram a fazer o teste do bafômetro foram dois dos protegidos da imprensa de mercado: o candidato a presidente, senador do PSDB por Minas Gerais, Aécio Neves; e o ex-candidato a vice-presidente e deputado federal do DEM, Índio da Costa. A imprensa oligarca, nesses dois episódios, ignorou os fatos e recolheu seu porrete de moer reputações. Agora, a pergunta que teima em não calar: Imagine, leitor, se fosse o Lula no lugar desses playboys? Seria um cataclismo e manchetes cretinas por seis meses!


Apesar de tudo, o tempo passou e o cidadão Lula não é mais o presidente deste grande País que é o Brasil. Um ano após Lula ter deixado o poder, pesquisa do Instituto Análise ouviu duas mil pessoas  em cem cidades de todas as regiões do País. A pesquisa foi publicada na edição do dia 21 de setembro do jornal "Valor Econômico" e indicou que o ex-presidente Lula era mais popular do que quando saiu da Presidência, e olha que ele tinha 82% de aprovação, sendo que 14% consideraram seu governo regular quando estava no poder. "Regular" é aprovação. Então o índice sobe para 96%. Somente ínfimos 4% consideraram o Governo Lula ruim ou péssimo. Esses 4% representam, indubitavelmente, a imprensa entreguista, de passado golpista e alguns setores ligados aos exportadores e aos bancos, além de, evidentemente, parte da classe média despolitizada e leitora da "Veja", da "Época" e de jornais conservadores de má qualidade editorial e jornalística, como a "Folha de S. Paulo", o "Estadão", o "O Globo", o "Correio Braziliense" e o "Zero Hora", somente para ficar nesses, que são os maiores e mais ricos e que, inegavelmente, fazem oposição sistemática aos governos trabalhistas desde a época de Getúlio Vargas.



Conforme salientei em outros artigos, os barões da imprensa formam a classe empresarial mais atrasada do País. Eles ocuparam os lugares dos antigos cafeicultores paulistas que reagiram contra o fim da escravidão e combateram a efetivação da República. Eles são, realmente, muito atrasados. Chegam a ser toscos e tacanhos. Todavia, o ex-presidente Lula 'está bem na fita' no que diz respeito — volto a afirmar — às pesquisas, inclusive as atuais e que não são repercutidas pelos próprios jornais e televisões que as encomendam. Incrível, não? 



De qualquer maneira, o PT tem dois candidatos poderosos, no que oncerne ao número de votos. A ser assim, percebe-se o porquê de a imprensa privada continuar a bater em Lula depois de deixar aPresidência há mais de dois anos. A imprensa comercial e privada brasileira é tão surreal que é a única do mundo a querer derrubar um ex-presidente. Eles têm um verdadeiro pavor que o político trabalhista o PT volte a concorrer às eleições presidenciais e com isso ficar mais quatro anos, a partir de 2015. Eles preferem até engolir uma vitória de Dilma Rousseff. Trabalhista no poder é sinal de mudanças profundas e por uma administração popular. A direita sabe disso, porque alguns conservadores já abriram os livros de história. Por isso que os partidos de direita precisam do sistema midiático privado como os seres vivos necessitam de oxigênio para viver. Sem a mídia golpista, a direita não teria 20% dos votos.



Colunistas como Reinaldo Azevedo, da Veja, Ricardo Noblat e Merval Pereira, de O Globo, somente para exemplificar esses três, pois iguais a eles existem centenas, criticam diuturnamente e açodadamente e desrespeitosamente o político mais popular da história do Brasil e ainda reclamam que o Governo trabalhista tem a intenção de censurar, tolher a liberdade de expressão e de imprensa. É muita cara-de-pau e desfaçatez. Acredito que até alguns leitores que visitam as colunasdesses caras devem às vezes achar um exagero tanta falta de educação e senso crítico, pois o que somente se lê é mau juízo de valor, arrogância e prepotência exacerbados.



A permanência da popularidade de Lula, como informa a pesquisa, incomoda muito os porta-vozes de nossas elites econômicas, que são os jornalões, tanto os das rádios como os das televisões e os impressos.Eles sabem disso, porque jornalistas compromissados politicamente e ideologicamente com seus patrões sabem que o ex-presidente Lula é praticamente imbatível em uma eleição, ao ponto de após um ano de sua saída da Presidência ter superado nos índices de aprovação a presidenta trabalhista Dilma Rousseff, que tem, na minha opinião, realizado um trabalho profícuo a serviço do povo brasileiro, ao dar continuidade ao programa do Governo Lula, que ela, inegavelmente, esteve à frente como ministra-chefe da Casa Civil. Dilma é Lula e Lula é Dilma, apesar de a imprensa imperialista querer dar uma conotação de diferença entre ambos, ou seja, usar como estratégia a separação de um do outro, o que, venhamos e convenhamos, é um absurdo para não dizer infantil e ridículo. Como o é mesquinho a imprensa burguesa não atender ao pedido de Dilma Rousseff para ser chamada de presidenta e não presidente.



O problema todo é que Lula e Dilma são presidentes de governos desenvolvimentistas, o que leva a burguesia ficar irada, porque ela é monetarista até a medula, cujos "deuses" desse capital são osprofessores Eugênio Gudin e Roberto Campos, com espaço amplo para Mário Henrique Simonsen e Delfim Netto, sendo que este último aparentemente mudou de lado e hoje é um dos maiores críticos do neoliberalismo e dos governos tucanos na esfera federal, bem como no âmbito estadual e há pouco tempo no municipal, no que tange aos tucanos que dominam o poder em São Paulo há 19 anos, com a cumplicidade total da grande imprensa paulista e também dos cariocas O Globo e TV Globo. Como fala sempre o jornalista Paulo Henrique Amorim, "os tucanos de São Paulo não passariam de Resende se não fosse o PIG". E é isso mesmo.



A tendência é que o PSDB diminua e tenha sérias dificuldades para conquistar os executivos estaduais e principalmente a Presidência da República. Eles não têm programa de governo e muito menos projeto de País. E o que tinha para vender, os tucanos venderam. Coitado do povo paulista que não sabe como vai estar o patrimônio público de São Paulo quando o PSDB, enfim, sair do poder. A privatização no estado mais poderoso da Federação foi ampla. E a imprensa, como sempre, nunca publica notícia que possa, ao menos, incomodar os políticos e o empresariado envolvidos com a alienação de bens públicos, no decorrer desses longos 19 anos. O tempo é o senhor da razão. O tempo vai mostrar o que aconteceu em terras paulistas.



Enquanto isso, a grande imprensa brasileira luta contra a volta de Lula, mesmo quando o trabalhista afirma que a Dilma é a candidata do PT. Os barões da imprensa hegemônica preferem a Dilma ao invés de Lula, porque, neste caso, entra um componente enraizado em nossas elites: o preconceito de classe e a negação do trabalhismo. Lula representa exatamente o que a imprensa de negócios privados não quer: a continuidade das políticas desenvolvimentistas e trabalhistas colocadas em prática por Getúlio Vargas, João Goulart, Juscelino Kubitschek, Luiz Inácio Lula da Silva e agora Dilma Rousseff.



É histórico e por isso o que eu afirmo é mais do que verdadeiro. Lula, mesmo fora do poder, de acordo com as pesquisas dos últimos dois anos tem ampla aprovação popular. Este fato significa que a população sente saudade do ex-presidente, porque sua relação com as pessoas é de afetividade e carisma, além do reconhecimento ao seu trabalho enquanto presidente da República. Somente Getúlio teve tanta empatia com o povo brasileiro. O que eu afirmo não é uma questão de simpatia ou de ideologia. São números e realidades analisados pelos empresários donos de institutos de pesquisas.



A relação de Lula com o povo sobrepõe às questões importantes, mas de caráter econômico e financeiro. Milhões de cidadãos, trabalhadores brasileiros se enxergam em Lula, como se o ex-operário representasse suas próprias existências, bem como a virtude de ter vencido na vida e conquistado o respeito ou até mesmo o medo daqueles que também são seus patrões, a burguesia — as elites brasileiras. Lula se tornou a referência do brasileiro e que almeja ter acesso a uma vida de melhor qualidade. Eu vi e percebi essa cumplicidade, que fez com que um retirante nordestino se tornasse presidente por duas vezes e ainda elegesse sua sucessora, mesmo a ter uma oposição muito rica e com apoio de um sistema midiático privado dos mais poderosos do mundo. O migrante nordestino os derrotou e por isso se tornou um mito ainda em vida. Lula ri enquanto a imprensa de mercado não o esquece jamais. É isso aí.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

A blogueira cubana e o fracasso da diplomacia da desintegração


A gira da blogueira cubana Yoani Sanchez pelo Brasil tem se revelado, até o momento, uma exitosa campanha de ‘over’ exposição midiática dela, numa tentativa de distorcer a gigantesca função histórica libertadora da Revolução Cubana e, também, numa fracassada operação da diplomacia da desintegração. Trata-se de uma ação geopolítica da direita para tentar impedir a crescente presença política de Cuba na América Latina e Caribe por meio de vários projetos de cooperação, mas, sobretudo, pela criação da Celca (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), da qual Cuba é hoje presidente e onde foram derrotados pelos povos da região todos os esforços da agressiva política dos EUA para isolar a ilha caribenha. Começo por reivindicar 1% do espaço midiático dado a ela, para discutir este outro ponto de vista.

Era previsível que a blogueira tivesse ampla cobertura da mídia. Esta cobertura é marcada pela repetição de uma única tese e, na proporção inversa, pela negativa em informar sobre o que é exatamente a realidade Cuba, a começar pela informação de que Cuba exerce a presidência da Celac, o que, para um país que foi bloqueado, expulso da OEA, atacado militarmente pelos EUA, impedido de ter acesso pleno ao sistema financeiro internacional, representa exatamente uma vitória de Cuba e da causa da integração latino-americana e caribenha. Obviamente, representa um fracasso de todos os países imperiais, de seus meios de comunicação e de personagens como Yoani Sanches, que, observa que seu discurso é de absoluta sintonia com os polos mais conservadores da sociedade brasileira, discurso que tem sido derrotado. O discurso dela e da mídia brasileira que o exalta, é o discurso que quer o fracasso da política externa brasileira de prioridade à integração com a América Latina.
Biotecnologia: avanço técnico-científico
Seria muito informativo e educativo para o povo brasileiro se, na mesma proporção do oferecido à blogueira, também fosse dado espaço midiático aos cientistas cubanos para falar como um país pobre, em pouco mais de 50 anos, e sob bloqueio, conseguiu desenvolver um indústria de biotecnologia das mais avançadas do mundo, com medicamentos de eficácia comprovada e sucesso internacional como o Óleo de Schostakovsky ( para a gastrite), o complexo para combater diabetes, a vacina contra o câncer de intestino (um laboratório dos EUA tentou comprar mas foi proibido pelo governo Bush), as vacinas contra a meningite, etc. Antes da Revolução, Cuba sequer possuía indústria farmacêutica, hoje exporta medicamentos, ciência, e médicos.
Países imperiais exportam soldados, armas, intervenções militares. Esta mesma mídia brasileira que é sócia da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa, apoiadora de todas as ditaduras da região), também fez um grande estardalhaço para tentar impedir que o Brasil reatasse relações com Cuba em 1986, sob o Governo Sarney. Na época, o Brasil teve um surto de meningite e esta mesma mídia, que fez uma acirrada campanha para que o Brasil não comprasse as vacinas cubanas contra a meningite. Uma operação econômica e ideológica.
No primeiro caso, o Brasil tinha e ainda tem o seu setor de medicamentos quase totalmente controlado e ocupado por umas poucas multinacionais farmacêuticas, grandes anunciantes desta mídia, ambos lutando para não perder o controle do mercado para as vacinas cubanas, que o governo Sarney acabou importando em grande quantidade, apesar da pressão dos oligopólios. E era também uma operação ideológica, com a intenção de dizer que era impossível que uma ilha pequenina, cercada de hostilidades imperiais por todos os lados, pudesse, com poucos anos de socialização de sua economia, ter alcançado tal êxito técnico-científico, a ponto de transformar-se em exportadora de sofisticados medicamentos, enquanto o Brasil, uma economia muitas vezes superior, era ainda dependente de sua importação.
Sarney e as vacinas cubanas
A ruidosa campanha contra as vacinas cubanas na época – questionando até sua eficácia apesar dos reconhecimentos da Organização Mundial da Saúde - era uma desumana tentativa de intimidar o governo Sarney que, não apenas reatou com Cuba, mas começou a realizar um processo de intercâmbio comercial, científico e cultural com a Ilha. Vale lembrar, o ministro da Cultura de Sarney era o inesquecível Celso Furtado... O discurso da mídia então, submisso aos ditames imperiais, queria também impedir a criação do Mercosul, cujo fortalecimento posterior e sua consolidação hoje, é algo que desagrada enormemente aos inimigos da integração, pois é evidente que um Mercosul cada vez mais forte e amplo, com a entrada da Venezuela e, proximamente, da Bolívia e do Equador, representa uma alternativa histórica real aos “Cem Anos de Solidão” de uma América Latina antes submissa e desunida e, agora, em processo de transformação , com governos populares e com uma cooperação cada vez maior com Cuba. Estamos abrindo as páginas dos Cem Anos de Cooperação...
Desintegração e fracasso histórico
A este processo de integração crescente se dirige a passagem da blogueira por aqui e deste ponto de vista, revela-se um enorme fracasso Ela se auto classificou como diplomata popular, mas é fácil perceber tratar-se de uma diplomata da desintegração. O pano de fundo, o que ela e seus patrocinadores visam, é obstaculizar a causa maior de nossas mais importantes lideranças históricas, a começar por Simon Bolívar, José Marti, Tiradentes, Abreu e Lima, Perón, Getúlio Vargas, Che Guevara, hoje continuados, concretamente, pelas políticas de integração implementadas pelos governos de Lula-Dilma, Fidel-Raul, Hugo Chávez, Evo Morales, Pepe Mujica, Nestor e Cristina Kirchner, Daniel Ortega e o recém reeleito Rafael Correa.
Dalai Lama
Personagens como Yoani Sanches são criados em determinados momentos, recebem as condições materiais e financeiras de circulação, publicidade e exaltação, mas produzem, concretamente, poucos resultados práticos. Citemos outro personagem fabricado para uma operação similar contra a Revolução Chinesa: Dalai Lama. Sustentado por anos e anos pelo Departamento de Estado dos EUA, que além do salário, do apartamento onde vive perto do Central Park de Nova York, e de uma jorrante publicação de seus livros, Dalai Lama revela-se um retumbante fracasso. Antes da Revolução Chinesa, o Tibet era um regime feudal e escravocrata. O Brasil não foi o último país a abolir a escravidão, foi o Tibet, e por meio de uma revolução dirigida por Mao-Tse Tung e o Partido Comunista. Antes da vitória socialista, em 1949, a China era conhecida pela espantosa fome que levava milhões à morte a cada ano.
Além disso, havia todo tipo de doenças evitáveis, o povo sequer conhecia médicos. E era possível, nas feiras, comprar animais e mulheres como servas, já que não existiam direitos trabalhistas. Hoje, apesar das inúmeras giras de Dalai Lama pelo mundo, a China é conhecida por lançar uma nave tripulada ao espaço sideral, por ser a economia que mais cresce no mundo, que mais fabrica computadores e turbinas de energia solar, que lança satélites em parcerias com a Venezuela e o Brasil, que legalizou e socializou a acupuntura (antes de Mao era proibida) e que, em parceria com a Rússia e o Iran, está travando os planos da Otan de invadir e esquartejar a Síria. O que se houve falar de Dalai? A notícia mais recente é que ele estaria disposto a dialogar com as autoridades chinesas, contrariando seus patrocinadores. Vai ter que mudar-se do Central Park...
Cuba inclusiva?
A blogueira falou em Brasília que quer uma Cuba mais inclusiva e plural. Se examinarmos a realidade cubana, especialmente as estatísticas elaboradas ou reconhecidas por instituições internacionais como a Organização Mundial da Saúde, a Unesco, a Unicef, a Organizaçao Panamericana de Saúde e se a mídia comercial, que tanta exalta a Yoanis, desse ao povo brasileiro o direito de conhecê-las, ficaria claro que é difícil apontar uma sociedade tão inclusiva como a cubana. Há começar porque não existem crianças vagando pelas ruas, crianças fora da escola, crianças pedindo esmolas, nem crianças trabalhando.
A taxa de mortalidade infantil é INFERIOR àquela registrada nos EUA, onde, aliás, o trabalho infantil está em elevação, o que se agravou enormemente com o desemprego e a crise capitalista por lá, onde só os banqueiros e a indústria bélica foram salvos, como revela o Occupy Wall Street.
Não há um único hospital privado em Cuba, todo o atendimento é gratuito. Isto não é inclusão? Inclusive para os bombeiros e sobreviventes dos EUA que trabalharam nas operações de resgate de corpos dos escombros das Torres Gêmeas, demolidas providencialmente pelos autoatentados de 11 de setembro de 2001. Estes bombeiros e sobreviventes, cidadãos norte-americanos, foram levados a Cuba pelo cineasta Michel Moore, pois não tinham planos de saúde nem tratamento médico nos EUA, onde haviam sido condecorados com heróis. Em Cuba, foram atendidos gratuitamente nos hospitais mais avançados, os mesmo que já trataram, depois da eleição de Chávez, 43 mil cidadãos venezuelanos. Se a blogueira tivesse visitado hospitais no Entorno de Brasília, teria uma ideia concreta do que é realmente a falta de inclusão.
Aliás, se o povo brasileiro pudesse ser informado, massivamente - digamos que 10 % do que a TV Globo mostra de baixarias do Big Brother, onde há z até edificantes concursos de pum - sobre um único relatório da UNICEF em que se afirma que “Existem 200 milhões de crianças desnutridas no mundo hoje. Nenhuma delas é cubana!”, entenderia mais claramente os absurdos ditos por esta personagem.
Bloqueio
Houve um tempo em que os opositores de Cuba, inclusive a blogueira, diziam que o bloqueio dos EUA era apenas uma desculpa de Fidel para desviar a atenção dos problemas internos. Agora, quando o bloqueio recebe múltiplas condenações na ONU, sendo defendido apenas pelos EUA, e por razões óbvias de subordinação pelo Canadá, Israel e um ilha desconhecida do Pacífico, sendo criticado até mesmo pelo New York Times e pela Revista Forbes, a blogueira foi orientada a mudar o discurso e admite ser contrária a esta escandalosa violação dos direitos humanos do povo Cuba por parte da Casa Branca, proibindo à ilha uma simples operação comercial para a compra de aspirinas no mercado norte-americano.
Aliás, ela disse também ser a favor da libertação dos 5 heróis cubanos prisioneiros políticos nos EUA, por trabalharem na prevenção dr atentados terroristas organizados em território da pátria de Jack London. Alertado por Fidel Castro, em carta entregue pelo genial Gabriel Garcia Marques, o presidente Bill Clinton, ao invés de fazer uso das informações para evitar atentados terroristas que estavam e organização, como os de Oklahoma ou os de 11 de setembro de 2001, preferiu prender os cinco cidadãos cubanos.
Aliás, agora que até a blogueira já fala o fim do bloqueio, dando razão ao governo de Cuba, e também a Lula e Dilma que sempre se pronunciam em defesa da posição do governo cubano, vale comparar a situação vivida por Yoani Sanchez - que não está presa, comunica-se com o mundo inteiro a partir de Cuba ou fora dela, viajando por mais de 12 países para criticar a Revolução Cubana - com a situação do soldado norte-americano Bradley Manning, preso e torturado em prisão militar dos EUA, por ter revelado ao mundo, corajosa e generosamente, com a ajuda do Wikileaks, os documentos sigilosos contendo os planos mais sinistros do imperialismo para atacar e desestabilizar vários> países e governos ao redor do mundo. Ou comparar com a situação de Mumia Abu Jamal, jornalista e militante negro, preso no Corredor da Morte, condenado injustamente por um juiz racista que coleciona sentenças de pena de morte especialmente para negros, asiáticos, hispânicos e pobres que vivem por lá. O “delito” de Abu Jamal é escrever com coragem e talento sobre o regime discricionário vigente nos EUA, onde, há pouco, foi proibida a sintonia por satélite de canais de TV do Irã, desmascarando-se, assim, o falso discurso da liberdade de expressão reivindicado pela Casa Branca. Bom, eles já haviam proibido o ingresso de Charles Chaplin por lá...
Medicina e humanismo
Tive a oportunidade de visitar a Escola Latino Americana de Medicina (ELAM), instalada numa antiga base naval desativada próximo a Havana e lá conversei com representantes dos mais de 500 estudantes negros estadunidenses, oriundos dos bairros pobres do Harlen ou do Brooklin. Eles me contaram que jamais teriam a oportunidade de se formarem em medicina nos EUA, sendo muito mais provável, pelas condições precárias de vida que tinham lá, que fossem recrutados pelo narcotráfico e terminassem presos. Aliás, os EUA possuem a maior população carcerária do mundo... Em Cuba, estes jovens estão estudando, gratuitamente, para serem médicos.
Compartilhar o que tem, não o que sobra
Ante aos agressivos ataques do Pentágono e da CIA contra a Revolução Cubana, esta se defende, legitimamente, mas também reage com humanismo, oferecendo aos filhos pobres da pátria de Lincoln a possibilidade de escapar da criminalidade e servirem socialmente ao povo norte-americano, a quem se respeita em Cuba, a ponto que jamais se queimou uma bandeira dos EUA em território cubano. Enquanto a Casa Branca envia terroristas e guerra bacteriológica contra Cuba - como denunciou um ex-ministro da saúde dos EUA - Cuba envia médicos formados para o povo norte-americano! É a este país, que reparte seus modestos recursos orçamentários com outros povos, que a blogueira afirma não ser inclusivo?
Vale lembrar o desastre do Furacão Katrina: enquanto a população negra e pobre estava abandonada em Nova Orleans pelo governo de Bush, Cuba ofereceu o envio imediato de 1200 médicos para salvar vidas ali. Eles ficaram toda uma manhã posicionados no aeroporto de Havana esperando autorização da Casa Branca para embarcarem para os EUA. A autorização nunca veio. E a blogueira, que reivindica uma Cuba inclusiva, não toca no tema.
Cuba plural?
Houve um ano, 1984, em que a Unesco reconheceu ter Cuba batido um recorde na publicação de livros, que lá são vendidos a preços de um picolé ou menos. Foram 480 milhões de exemplares publicados naquele ano. Entre estas obras há Guimarães Rosa, com tiragem superior a 150 mil exemplares, quando no Brasil, com um indústria gráfica 50% ociosa, a tiragem padrão é de apenas 3 mil exemplares. Em Cuba há mais pleno acesso à literatura universal, ao cinema internacional, o cinema é uma atividade popular, com ingressos baratos e salas cheias. Já foi produzida em Cuba uma rádio-novela sobre a Coluna Prestes, quando aqui ainda não há sequer projetos para uma grande produção cinematográfica sobre o tema.
Como seria educativo se a presidenta do Instituto do Livro Cubano, Zuleika Romay, uma mulher negra e jovem, pudesse ter 5% do espaço televisivo que foi dado à blogueira para desprestigiar a Cuba, inclusive quando afirmou que concordaria com hospitais e escolas privadas na Ilha, o que revela seu pensamento nada inclusivo, já que serviços privados só são acessíveis a quem paga, e na Cuba atacada pela mídia conservadora, a educação e a saúde são públicas e gratuitas. Milton Nascimento, numa turnê pela Ilha, sentiu-se mal e foi atendido por médicos em seu hotel. Ao final, quis pagar, recebendo como resposta que em Cuba saúde é um direito de todos e que isto não se vende.
Cuba, Brasil e Haiti
Quando a tragédia do terremoto assolou o Haiti - um geólogo cubano havia alertado anos antes que eram altíssimas as probabilidades de um terremoto com epicentro cerca de Porto Príncipe - os médicos cubanos já eram responsáveis há anos, praticamente, pelo o que havia restado de serviço de saúde ali ante tanta miséria construída pelos países imperiais que dão sustentação à blogueira. O Brasil também estava lá, com o maior número de soldados, que também realizam obras de infraestrutura. Mas, a partir do terremoto Brasil e Cuba passaram a colaborar mais centradamente na área da saúde, e, com um financiamento de 80 milhões de dólares do governo brasileiro, foram construídas instalações de saúde para o povo haitiano, no qual trabalham as centenas de cubanos que já estavam lá há anos, juntamente com médicos militares brasileiros. Como parte desta cooperação, além da saúde, o Batalhão de Engenharia do Exército está construindo a única hidrelétrica por lá, além de rodovias e pontes.
Impublicável: cooperação sul-sul-sul
Em 2006, a Organização Mundial da Saúde, lançou um SOS Internacional: precisava de produção massiva, a preços baixos, de vacina contra meningite A e C para entregar a 23 países da África, onde vivem 430 milhões de seres humanos. Só uma empresa transnacional fabricava estas vacinas, mas devido à baixa lucratividade, reduziu sua fabricação colocando a África sob o risco de emergência sanitária. Só dois laboratórios públicos atenderam ao chamado da OMS: Instituto Finlay de Cuba e o Instituto Bio-Manguinhos do Brasil. Os dois se associaram para a criação da vacina Vax-MEN-AC, específica para os tipos de meningite que afetam a África. A cooperação Brasil-Cuba permitiu um preço 20 vezes menor do praticado pela transnacional e já foram produzidas e entregues 19 milhões d doses.
Esta é uma notícia impublicável nos grandes meios que abrem todo espaço à blogueira e que hiper divulgam as ações financiadas pela Fundação do Multibilionário Bill Gates, de impacto mínimo, conduzidas por operações de marketing de empresas privadas, aquelas que não se interessaram em atender ao apelo da OMS. Brasil e Cuba, com governos de orientação de esquerda, por meio de laboratórios públicos, fazem mais contra a meningite na África que as transnacionais e a fortuna de Bill Gates. A blogueira não fala nada disso no seu blog, nem nas suas entrevistas, mas pede uma Cuba mais inclusiva e plural.
Cuba, Brasil e Timor Leste
Em visita de trabalho ao Timor Leste, onde a TV Cidade Livre de Brasília e o Comitê de Brasiliense de Solidariedade ao Timor doaram os equipamentos de uma rádio comunitária às organizações educacionais locais, pude visitar, também, o alojamento de 400 médicos cubanos que lá trabalham em solidariedade ao povo maubere. Comentei a visita com o Presidente da República, Ramos-Horta, Prêmio Nobel da Paz, que recebia o Presidente Lula. Ele me contou que ter sido pressionado pelo Embaixador dos EUA lá a não receber os médicos de Cuba, oportunidade em que perguntou ao gringo: “Quantos médicos norte-americanos temos aqui?”. “Só um, o da embaixada!”, respondeu. “Pois então o povo do Timor é muito grato a Cuba e vai sim receber os médicos cubanos”, disse-lhe Horta.
O pensamento da blogueira é bastante sintonizado com o do embaixador gringo e certamente não considera inclusivo que na cooperação Brasil e Cuba, os 600 estudantes timorenses que serão formados em medicina na Ilha brevemente, antes de voltar ao Timor, façam estágio na Fundação Oswaldo Cruz, no Brasil, na área de medicina tropical.
Como se sabe, a cooperação não fica por aí. O Brasil está estudando a contratação de um numeroso contingente de médicos cubanos para, finalmente, levar serviços médicos a todos os municípios brasileiros, o que ainda não ocorre. Isso sem falar dos cerca 800 brasileiros, em sua maioria pobre, inclusive, uma centena de jovens do MST, que lá estão estudando medicina. Gratuitamente, pois Cuba, desde o início de sua Revolução, compartilha não apenas o que lhe sobra, mas o que tem com outros povos.
Complexo de Mariel: integração para todos crescerem. Não é casual que a blogueira tenha iniciado sua gira pelo Brasil, país que tem participação decisiva no mais importante projeto de infraestrutura em construção em Cuba hoje, o Complexo de Mariel. Será o maior porto de todo o Caribe, dinamizando a economia de toda a região, além contar com uma ferrovia, uma rodovia e uma mineradora. Os empréstimos do BNDES são da ordem de 1,2 bilhão de dólares. Desnecessário afirmar que, na prática significa, também, furar o bloqueio dos EUA contra Cuba, indicando apurada visão estratégica de Lula, e, além disso, uma ideia clara do que significa uma integração para que todos os países possam crescer juntos, reduzindo asassimetrias e comprovando a política de que só por meio da integração da América Latina e Caribe é possível constituir uma área alternativa de crescimento com distribuição de renda. A blogueira está na contramão deste projeto e é por isso que foi tratada como um troféu pela mídia oposicionista - e por seus seguidores - que tem visto este projeto ser derrotado nas urnas repetidas vezes, como recentemente no Equador, na Venezuela e na Bolívia, que recém nacionalizou os serviços portuários ante a negativa de investimentos de transnacionais espanholas.
Mandela: devemos o fim do apartheid a Cuba
Foram ouvidos muitos disparates durante a gira da blogueira no Brasil. Algumas manifestações normais e democráticas de jovens e estudantes contra sua presença foram tratadas como se fossem violentas. Nenhum país é mais criticado no fluxo informativo internacional do que Cuba. Mas, o problema não são as críticas, elas são permitidas até à própria blogueira. A questão é a violência com que foi tratada a Revolução Cubana desde o início, sendo obrigada a pagar um preço amargo, com muitas vidas ceifadas em atentados terroristas como o que derrubou o Avião da Cubana de Aviación, sendo seus autores confessos protegidos pelos governos dos EUA.
Mas, entre todos os disparates, o mais surpreendente foi contorcionismo analítico de um editorialista do Estadão que chegou a fazer uma comparação, meio envergonhada é bem verdade, de Yoani Sanchez com Nelson Mandela. Diante do nível desta tentativa absurda de analogia, uma resposta grande com uma página da História. Cuba enviou cerca de 350 mil homens em mulheres para lutar em Angola em defesa da independência do país, invadido pelo exército racista da África do Sul, contando com o apoio dos EUA e com a oferta de Israel para que fosse atirada uma bomba nuclear sobre as tropas cubano-angolanas. A solidariedade cubana escreveu uma página inapagável na história moderna: Cuba foi o único povo a pegar em armas para lutar contra o apartheid, o mais brutal e criminoso regime político-social dos tempos modernos! Quando ocorre a vitória sobre as tropas racistas na Batalha de Cuito Cuanavale, Mandela, ao livrar-se dos 27 anos de prisão, cunhou uma frase que define com a energia de um raio, a função histórica de Cuba: “ A Batalha de Cuito Cuanavale foi o começo do fim do Apartheid. Devemos isto a Cuba”.
Diante dos ataques da mídia contra Cuba, Dilma, em Havana, reagiu apontando os telhados de vidro dos que querem ser campeões em direitos humanos mas mantém um centro de torturas em Guantânamo e multiplica o assassinato de civis, inclusive crianças, por meio de seus drones macabros. E o Brasil segue aprofundando sua cooperação com Cuba e consolidando a integração solidária e democrática por meio do Mercosul, da Unasul e da Celac, presidida por Cuba, com sua generosidade e humanismo, e sem a presença arrogante e imperial dos EUA. A diplomata da desintegração, aqui no Brasil, está fadada ao fracasso.
Beto Almeida, Jornalista, Membro da Junta Diretiva da Telesur.
No CartaMaior

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Regulação da mídia fora dos planos


Por Vilson Vieira Jr., no Observatório do Direito à Comunicação:

Se depender do governo Dilma, o ano de 2013 será como os anteriores para a regulação da radiodifusão brasileira. Ou seja, passará em branco. Vejam o porquê do pessimismo. Em sua terceira Mensagem ao Congresso Nacional - em que o(a) chefe da República faz um balanço acerca das ações implementadas pela gestão no ano anterior e prevê outras para o ano que se inicia - o Governo Federal deixou de lado o setor de radiodifusão (rádio e TV) no que tange à possibilidade de um novo marco regulatório.

Na Mensagem ao Congresso, é notória a indiferença do Governo frente à necessidade de um novo aparato normativo que reorganize o modelo de comunicações vigente. Esse comportamento aparece tanto na prestação de contas sobre a área no ano de 2012 quanto às perspectivas para o novo ano. Ou melhor, o documento praticamente não faz qualquer projeção para o setor de rádio e TV aberta em 2013, ficando restrito a alterações pontuais.

No item sobre Radiodifusão, a Mensagem começa destacando algumas mudanças de âmbito meramente administrativo, que, segundo o Executivo, resultaram em mais celeridade aos processos de concessão e autorização de outorgas, bem como a redução do número de processos pendentes: "A redução do estoque de processos de radiodifusão é um dos objetivos do Governo. Nesse sentido, foram desenvolvidas melhorias de gestão, como a realização de mapeamento de processos, projeto de desenvolvimento de sistema para automação dos processos de radiodifusão e da parceria firmada com a Anatel para análise de processos técnicos de engenharia referentes à fase de pós-outorga dos serviços de radiodifusão e seus ancilares e auxiliares".

O documento enviado ao Congresso no início do mês de fevereiro ainda sublinha aquela que pode ter sido uma das mais importantes realizações no intuito de fortalecer a comunicação pública e comunitária no país: a criação do Canal da Cidadania, por meio da Portaria nº 489, de dezembro de 2012. Segundo a Mensagem, o objetivo desse Canal - que vai operar com multiprogramação, em sinal digital, e terá reserva de duas faixas a serem exploradas por associações comunitárias - é "estimular a diversidade, a pluralidade e a competição entre meios e agentes da área das comunicações.

Feitas as devidas ressalvas em relação a determinados pontos da Portaria, este, talvez, pode ter sido o maior feito da gestão Dilma, desde quando tomou posse, no sentido de iniciar um processo efetivo de democratização do sistema público de comunicação social e diminuir, assim, a gigantesca assimetria existente entre os sistemas comercial, estatal e público. Mas vale lembrar que o Canal da Cidadania já estava previsto no decreto nº 5.820, de 2006, que estabelece as diretrizes da TV Digital.

Radiodifusão comunitária e ação fiscalizatória

Dando sequência às ações na área de radiodifusão no ano passado, a Mensagem presidencial chega ao segmento comunitário. Sobre ele, o conteúdo não difere muito do anterior. O documento cita iniciativas que supostamente conferiram maior agilidade às autorizações de outorgas de rádios comunitárias, como a divulgação do Plano Nacional de Outorgas (PNO 2012-2013): "Em 2012, foram outorgadas cerca de 100 novas autorizações para a execução do serviço de radiodifusão comunitária, com redução de aproximadamente 500 processos de outorga no estoque. Com a divulgação do novo Plano Nacional de Outorgas (PNO 2012-2013) para o serviço de radiodifusão comunitária, pretende-se levar o serviço para todos os Municípios ao final do biênio, num avanço à política de universalização com o atendimento de 1.425 Municípios, sendo 822 ainda não cobertos pelo serviço".

No entanto, não há qualquer menção a respeito da repressão implacável dos órgãos de fiscalização do Governo Federal sobre as emissoras comunitárias. Segundo o documento, foram aplicadas, em 2012, 622 multas e 129 suspensões a emissoras de radiodifusão e retransmissoras de TV no que se refere a infrações de conteúdo e jurídicas, mas sem considerar as infrações técnicas, de competência da Anatel.

Mas o aumento da ação fiscalizatória do poder concedente, conforme matéria divulgada por este Observatório, teve como principal alvo as rádios comunitárias. Foram 377 emissoras desse tipo de serviço punidas no ano passado, o que representa mais de 50% das sanções aplicadas pelo MiniCom. Um dos principais motivos para as multas foi a veiculação de publicidade comercial na programação das emissoras, prática proibida pela lei nº 9.612, de 1998. Para este ano, o Ministério das Comunicações já preparou o Plano Anual de Fiscalização (PAF), que vai adotar o procedimento de sorteio para definir os municípios nos quais as entidades que exploram o serviço de radiodifusão serão fiscalizadas, a exemplo do que foi feito em 2012.

Para 2013, o Governo prevê a implantação da Norma de Sanções Administrativas, "que regulamentará todos os procedimentos relativos à aplicação de sanções administrativas às entidades exploradoras dos serviços de radiodifusão, seus ancilares e auxiliares, no que se refere a infrações relativas ao conteúdo da programação veiculada e aspectos legais, contratuais e societários", o que apenas será feito após as contribuições da consulta pública realizada no ano passado serem analisadas.

No âmbito das outorgas de emissoras educativas de rádio e TV, a Presidência da República também destacou as alterações de cunho administrativo empreendidas pelo Ministério das Comunicações, como a criação do Plano Nacional de Outorgas, que funciona como uma espécie de calendário dos Avisos de Habilitação a serem publicados ao longo de dois anos consecutivos, além de trazer alguns números: "De acordo com dados do Plano Nacional de Outorgas 2011-2012, 64 localidades foram atendidas, o que aumenta para 387 Municípios (7% do total) com pelo menos uma rádio educativa e para 169 (3% do total) com pelo menos uma geradora de televisão", pontuou a Mensagem.

TV Digital e universalização do acesso

Embora o Governo Federal afirme que "66% das emissoras e quase 40% das retransmissoras analógicas já foram consignadas a operar, simultaneamente, com tecnologia digital, e 2% delas já foram licenciadas na nova tecnologia", ele reconhece a necessidade de universalizar o acesso à tecnologia para boa parte da população.

Segundo a Mensagem, as ações para que a implementação da TV Digital tenha êxito "não se resumem ao esforço do aumento da cobertura. A baixa penetração de receptores é também indicativo da necessidade do estabelecimento de uma política específica para evitar que a população em geral, em especial a de baixa renda, não fique sem acesso ao serviço de TV aberta e gratuita". No entanto, o Governo não deu pistas sobre quais medidas concretas irá tomar para evitar a exclusão de segmentos mais pobres da população em relação à TV Digital.

Aparecem na Mensagem ao Congresso apenas ações para incrementar o uso do Ginga, middleware de interatividade, nos receptores de televisão produzidos no Brasil. "A partir de janeiro de 2013, 75% das TVs de LED e Plasma fabricadas deverão incluir o Ginga. Até 2014, o número de TVs fabricadas com Ginga deverá ser de 90%", prevê o documento. Outra iniciativa para a TV Digital mencionada foi a criação do Programa de Estímulo ao Desenvolvimento do Padrão Nacional de Interatividade da Televisão Digital Brasileira (Ginga Brasil), forjado para dar "condições e capacitar equipes de emissoras públicas para a inserção de recursos de interatividade na programação", entre outras atribuições.

Padrão digital do rádio: decisão em 2013?

É a pergunta que ficou no ar desde o fim dos testes realizados no ano passado com os dois sistemas de rádio digital em disputa: o Digital RadioMondiale – DRM (europeu) e o sistema In-Band-On-Channel –IBOC (norte-americano).

Ficará a cargo do Conselho Consultivo do Rádio Digital, implantado em 2012 e composto por representantes de setor de radiodifusão, governo e indústria, avaliar os resultados dos testes já realizados e, segundo a Mensagem presidencial, decidir "tecnicamente" qual modelo funciona melhor, entre outras atribuições. Sobre quando a decisão será tomada, o documento não traz qualquer previsão. Ou seja, o tema rádio digital foi outro que não passou de um simples balanço governamental.

Telecomunicações e banda larga em evidência

Ao contrário da falta de ousadia do Governo quanto ao setor de radiodifusão, a área de telecomunicações foi o carro-chefe do capítulo de Comunicações da Mensagem da Presidência ao Congresso Nacional. Na verdade, esse foi o campo das comunicações que mais atenção recebeu do Estado brasileiro, considerando, obviamente, suas limitações legais.

Destaque para o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), a "menina dos olhos" do Governo Dilma na tentativa de tirar o Brasil do atraso no que tange ao acesso da população à rede mundial de computadores, bem como à implantação de uma infraestrutura de rede que massifique a banda larga por meio de parcerias com grandes operadoras de telefonia e de ações diretamente estatais via Telebras e isenções tributárias. O Governo Federal comemora o crescimento do número de acessos, os quais, segundo a Mensagem, alcançaram 86 milhões. Mas o Programa impõe barreiras ao usuário, como limites de download mensais e redução da velocidade de 1 Mega caso eles sejam ultrapassados; baixa velocidade de upload (128 kbps) e possibilidade de venda casada na contratação do serviço; pontos não mencionados na Mensagem presidencial.

Medidas regulatórias a fim de proporcionar um pouco mais de equilíbrio na relação extremamente desigual entre usuários e empresas de telecomunicações também mereceram relevo no documento enviado ao Congresso Nacional. Segundo ele, a Anatel publicou 19 resoluções "com grande impacto sobre os direitos dos usuários e a qualidade dos serviços prestados".

A licitação das faixas de 450 MHz e de 2,5 GHz, as quais, respectivamente, levam os serviços de telecomunicações à área rural e inauguram a modalidade 4G na banda larga móvel; a aprovação do Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) que implementa dispositivos da Lei nº 12.485 (a nova lei da TV por Assinatura); medida cautelar da Anatel que suspendeu a venda do Serviço Móvel Pessoal de prestadoras com o pior desempenho em cada estado, juntamente à exigência que as operadoras apresentassem um Plano Nacional de melhorias quanto à qualidade do serviço e das redes de telecomunicações estão entre as iniciativas que tiveram, ou ainda terão, um relevante impacto nesse setor estratégico para o país, porém dominado por conglomerados privados.

Para 2013, outros regulamentos estão previstos para serem concluídos e postos em prática pela Anatel, como as revisões dos regulamentos do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), do Serviço Móvel Pessoal, do Plano Geral de Autorizações do Serviço Móvel Pessoal e do Regulamento do STFC, sobre o qual se propõe alterar regras de publicidade, "tornando mais acessíveis e objetivas as informações sobre serviço aos usuários". Outra revisão citada na Mensagem é a do Regulamento de Conselhos de Usuários, "que amplia a atuação de tais Conselhos, bem como o seu fortalecimento", afirma o documento.

Radiodifusão não é prioridade

Como tem sido em sucessivos governos desde a criação do Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), em 1962, e curiosamente desde a redemocratização do país, em 1988, o setor de radiodifusão também não parece estar nos planos do governo Dilma Rousseff. A não ser se for para deixar tudo como está, para o alívio do empresariado de rádio e TV.

À exceção de medidas fiscalizatórias que vem sendo adotadas, somadas à relativa transparência no trato das informações a respeito dessas ações e do controle societário das concessões - tarefas estas das mais básicas a serem cumpridas por Ministério das Comunicações e Anatel - o setor de radiodifusão continua desprovido de um olhar democrático tanto por parte do Poder Executivo quanto do Legislativo, e, de quebra, sem quaisquer perspectivas acerca de um marco legal que reorganize de forma democrática o setor.

Ou alguém acredita que na Mensagem ao Congresso Nacional de 2014 (ano eleitoral) pelo menos a consulta pública sobre o novo marco regulatório da radiodifusão vai figurar no balanço do ano que passou!?

* Vilson Vieira Jr. é jornalista, associado ao Coletivo Intervozes e mestrando em Ciências Sociais na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2013/02/regulacao-da-midia-fora-dos-planos.html

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Folha da Tarde


Quando os barões saíram da sombra: o que aconteceu com a imprensa brasileira nos últimos 50 anos


Com o fim da ditadura, os donos passaram a monopolizar a voz.
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Frias e Roberto Marinho
É interessante o que aconteceu no jornalismo brasileiro nos últimos 50 anos.
Na época da ditadura militar, os donos das grandes empresas mantinham perfil baixo. Por motivos óbvios: havia risco. Ditaduras têm relação sempre áspera com o jornalismo. A exceção conspícua aí era Roberto Marinho, da Globo.  Ele era “absolutamente confiável”,  para os militares. Podia dizer que “dos seus comunistas” cuidava, e era verdade. Os comunistas que trabalhavam com Roberto Marinho não escreviam nada que pudesse alimentar sua causa.
Os demais donos não gozavam da mesma confiança dos militares. Os Mesquitas, que tinham apoiado a Revolução de 1964, exigiram depois que os militares voltassem logo para os quartéis. Mas os generais tinham gostado do poder, e terminaram por censurar o Estadão por muitos anos. Na Folha, sob Octavio Frias de Oliveira, você teve um jogo duplo. Frias não era um “pensador” como os Mesquitas.
Durante muitos anos ele manteve um jornal que era seu gesto de confraternização com o regime, a Folha da Tarde.  Iniciei minha carreira nele. Você parecia às vezes estar não numa redação, mas num quartel.  Antogio Aggio Filho, o editor-chefe, era de extrema-direita. O secretário de redação, Rodrigão, era militar. O redator-chefe, Torres, tinha livre trânsito no Dops. Não vi isso, mas contavam na redação que Torres uma vez subira numa cadeira para defender a morte de guerrilheiros – ou terroristas, como ele os chamava. A meu lado, na redação, trabalhavam um coronel, apelidado exatamente assim, Coronel. Era discreto, simpático. Guardo boas lembranças das conversas supérfluas que travávamos ali no fechamento.
Aggio foi posto no cargo de diretor da Folha da Tarde em 1969 por Frias, segundo quem a decisão se devia à competência do jornalista e não a seu trânsito com os militares. Ele varreu da redação as pessoas de esquerda. O jornalista Jorge Okubaro, que mais tarde se tornaria editorialista do Estadão, viveu a transição. “Alguns foram demitidos sob alegação de incompetência, mas o verdadeiro motivo da demissão foi o fato de terem, em algum momento, feito ou participado de alguma manifestação que os caracterizava como de esquerda, seja pelas conversas pessoais, seja pelos textos que eventualmente publicaram”, lembra Okubaro.
O outro jornal de Frias, a Folha da Tarde
O outro jornal de Frias, a Folha da Tarde

Em 1984, quando a democracia já era visível, Aggio foi demitido. Num texto memorialístico, escrito alguns anos atrás num blog que mantinha, Aggio afirmou que Frias dizia que ele era seu “braço direito”. Havia aí uma alusão ao direitismo de Aggio. Era um jogo de palavras.
O “braço esquerdo” era Claudio Abramo, diretor da Folha de S. Paulo, um jornalista de formação trotsquista que Frias tiraria do cargo abruptammente a mando do general Hugo Abreu na crise provocada por uma crônica (bela) em que Lourenço Diaféria notou que as pessoas mijavam na estátua do patrono do exército, duque de Caxias, no centro de São Paulo.
A Folha era relativamente preservada. Mesmo assim, Frias uma vez pediu a meu pai que escrevesse um editorial no qual dissesse que não havia presos políticos. Todos os presos seriam iguais. Era uma resposta ao Estado de S. Paulo, que vinha cobrindo uma greve de fome de presos políticos em 1972.
Papai não topou, e pagou o preço do congelamento. Meu pai me contou o episódio, mas só fui ver há pouco tempo, pelo arquivo, o teor do editorial pedido por Frias — que afinal foi publicado, escrito imagino a que custo emocional por Claudio Abramo. Várias vezes Claudio passara por papai, na redação da Folha, para comentar sua preocupação com amigos que tinha entre os grevistas de fome.
Um trecho: “É sabido que esses criminosos, que o matutino (Estado) qualifica tendenciosamente de presos políticos, mas que não são mais do que assaltantes de bancos, sequestradores, ladrões, incendiários e assassinos, agindo, muitas vezes, com maiores requintes de perversidade que os outros, pobres-diabos, marginais da vida, para os quais o órgão em apreço julga legítima toda promiscuidade.”
Papai na redação da Folha em meados dos anos 70: recusa a escrever editorial abjeto e congelamento
Papai na redação da Folha em meados dos anos 70: recusa a escrever editorial abjeto e congelamento

Ter jornalistas importantes em cargos de destaque era conveniente, na ditadura, para os momentos mais complicados. Quando o regime imprensou a Folha depois que o cronista Lourenço Diaféria escreveu que o povo “mijava” na estátua do Duque de Caxias, uma absoluta verdade como sabe quem a conhece, Frias pôde oferecer a cabeça de Claudio Abramo, o diretor de redação, para apaziguar as coisas.
Terminada a ditadura, o quadro mudou. Ter redações sob o comando deixou de ser um risco. Passou a ser o que é sempre em situações normais: fonte de prestígio e status.
Os jornalistas deixaram de ser um escudo. Foi quando eles, lenta, segura e gradualmente, foram perdendo espaço e voz nas corporações.  A voz dos donos foi avultando. Sem entender esse processo, ninguém conhece compreender o que aconteceu com a mídia brasileira no último meio século.
Daí a semelhança no tom mesmo de empresas aparentemente tão diferentes, como a Folha e a Globo. De Arnaldo Jabor  a Clóvis Rossi,  de Ali Kamel a Merval Pereira, os colunistas reproduzem com mínimas variações o pensamento conservador. Os jornalistas, como indivíduos independentes de suas empresas, só voltariam a encontrar microfone com a internet. O mundo digital, com sua anarquia incontrolável, romperia o domínio das opiniões. Mais do que por razões econômicas, que existem de resto, este é o principal motivo pelo qual a internet incomoda tanto as grande empresas.
Paulo Nogueira
http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/02/quando-os-baroes-sairam-da-sombra-o-que.html

domingo, 3 de fevereiro de 2013

A histórica entrevista de Lula feita por Mino Carta


Do Socialista Morena
(Mino Carta afaga a cabeça de Lula. Ao lado, o repórter Ricardo Kotscho. Foto: Luiz Novaes)
Exatamente 35 anos atrás, em fevereiro de 1978, o jornalista Mino Carta, então diretor de redação da IstoÉ, uma das revistas que criou, entrevistou o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, um tal Luiz Inácio da Silva, conhecido como Lula. Lula, que começava a se tornar nacionalmente conhecido como líder dos trabalhadores, tinha 32 anos. Mino tinha 45. Foi a primeira vez que o metalúrgico era entrevistado por um grande veículo de imprensa. Também pela primeira vez, sairia na capa de uma publicação nacional. Ali começaria uma longa amizade entre o jornalista e o sindicalista.
Desmontados os movimentos guerrilheiros contra a ditadura militar, a agitação dos operários no ABC paulista era a carne viva, pulsante, da luta pela volta da democracia no País, bem antes do movimento pelas Diretas-Já. Alguma coisa importante crescia nos pátios das fábricas do ABC e Mino se deu conta imediatamente. Também enxergou no líder operário uma figura diferente, que valia a pena acompanhar com lupa, de pertinho. Provavelmente não imaginou que um dia aquele rapaz de “olhos melancólicos”, como descreveu, fosse se tornar presidente da República. Será?
Na semana passada, quando pedi ao Mino essa entrevista para transcrever aqui, ele publicou um artigo na revista CartaCapital sobre o texto, elogiando a “lucidez, a clareza, a coerência, a energia” daquele jovem Lula. Ao ler estas linhas, o que mais me impressionou foram as certezas que Lula já tinha. E seu pouco interesse pelas ideologias consolidadas naquele momento, mesmo pelo socialismo. Lula parecia acreditar em algo próprio, genuíno, para o Brasil. Chama a atenção um Lula bem mais crítico da política convencional e dos partidos do que o Lula de hoje em dia, embora já se sobressaísse como um negociador, disposto ao diálogo inclusive com o empresariado. Dois anos depois dessa entrevista, Lula seria preso durante 30 dias por comandar uma greve histórica no ABC que durou mais de 40 dias e que teve a adesão de 140 mil metalúrgicos.
Neste post, coloquei trechos da reportagem de abertura, escrita por Mino Carta, a título de introdução do pingue-pongue, que é reproduzido na íntegra. A entrevista foi concedida a Mino e ao repórter Bernardo Lerer.
***
O antipelego
Por Mino Carta
(…)O moço (32 anos) raciocina tão depressa quanto um ponta-esquerda dos velhos tempos levava a bola até a linha de fundo. Ele é capaz de frases que têm a ironia de um drible seco. Ele também sabe fazer a sua demagogia –mas quando afirma que “a dignidade é uma coisa que não se compra” –, seu tom fica muito convincente. Ele não é um pelego no mais tradicional estilo brasileiro. Ele é diferente.
O pelego clássico, preposto do poder, cultiva a ignorância dos trabalhadores, enreda-os em grosseiras emoções, aturde-os com acenos paternalistas e apelos populistas. Lula costuma agir de outra maneira. Quando a Ford (janeiro de 1977) decidiu reduzir a jornada de trabalho para abaixar os salários (a alternativa seria a despedida em massa em uma situação de dificuldade), Lula partiu para a briga e a fábrica teve que recuar. Quando o governo admitiu que em 1973 tinham sido cometidos erros no cálculo dos índices do custo de vida (junho de 1977), Lula saiu com a ideia da reposição “daquilo que foi tirado dos trabalhadores”, os 34% já famosos, e os transformou numa bandeira de luta.
Indo ao encontro de Lula, instalado de segunda cedo à noite de sábado no prédio cinzento do sindicato, todo de concreto aparente, áspero prédio de quatro andares solidamente plantado por sobre um panorama de telhados conformados –indo ao encontro do Lula a gente atravessa, entre a periferia de São Paulo e São Bernardo, uma larga zona apinhada de casinholas. Lembra, multiplicada por mil, ou mais, uma gravura de Londres do século passado. Mas o céu é de Pittsburgh dos dias de hoje, de Dusseldorf. Aquela atmosfera baça, de um belo violeta poluído. Passarinho não sobrevive ali. E, de repente, da bruma surgem as grandes fábricas, como transatlânticos no nevoeiro. O número de operários serve para medi-las. A Ford tem (em sua sede de São Bernardo) 11 mil operários. A Mercedes, 13 mil. A Volkswagen, 34 mil. São Bernardo tem 210 mil habitantes, Diadema 90 mil. Total de operários nos dois municípios: 130 mil.
O peleguismo ainda é regra na nossa situação sindical. Mas o pelego e quem acredita poder controlar os trabalhadores por intermédio do pelego são sobreviventes do passado. Enquanto isso, Lula, o antipelego, é contemporâneo do mundo. Para Lula, os interesses da classe trabalhadora não se confundem com os interesses de qualquer outra. E o ideal seria que cada trabalhador fosse igual a João Ferrador, o herói das histórias em quadrinhos e das charges publicadas pela Tribuna Metalúrgica, órgão do sindicato. João Ferrador, desenhado pelo cartunista Laerte, com histórias criadas pelo próprio Lula e por Mauricio Soares de Almeida, advogado do sindicato, “sempre sabe o que é bom para ele e o que não é”. João Ferrador logo mais vai aparecer em camisetas estampadas e chapeuzinhos. “Todo metalúrgico tem de conhecer”, diz Lula. João Ferrador é uma figurinha agitada, sempre risonha. Fisicamente, não se parece com Lula. Mas não importa, outra semelhança é que vale. Eu acho até que Lula e João Ferrador são a mesma pessoa.
(o João Ferrador de Laerte)
Em todo caso, João Ferrador representa um fato de certa forma novo dentro da situação política atual. Ele está aí, e não há como deixar de sentir a sua presença. Ele é o resultado da industrialização, isto é, de uma opção inevitável que hoje coloca o Brasil em oitavo lugar entre os países economicamente mais fortes do mundo capitalista. Paradoxalmente, é um país onde o poder olha para a classe trabalhadora com desconfiança (se não for medo) e lhe nega as mais elementares liberdades. Mas a tragédia, para quem considera o trabalhador como uma espécie de servo medieval, é que, se o Brasil cresce, João Ferrador cresce com ele.
(entrevista a Mino Carta e Bernardo Lerer)
IstoÉ – Lula, os políticos estão cercando você e seu sindicato. Que acha disso?
Lula – A gente tem que dar risada, porque esse negócio é realmente muito engraçado. Eu acho que este é o momento que o trabalhador deve tirar proveito de alguma coisa. Mas é preciso agir com inteligência, saber jogar, e isso é difícil. você pode ser hostilizado dentro do próprio movimento sindical. Eu participei certa vez de uma reunião com cerca de cem dirigentes sindicais, no qual se discutiu a formação de um novo partido, o apoio a este ou aquele político, em lugar de discutir a libertação do movimento sindical. E me pediram para falar e eu fui muito agressivo, disse o que pensava. Não agradei nem um pouco. Quem fala a verdade fica marginalizado. Não fui mais convidado para reuniões.
IstoÉ – Na sucessão paulista, você tem candidatos?
Lula – Eu acho que o movimento sindical de alguma maneira tem de se manifestar, porque quem cala, consente. Mas não existe compromisso meu com nenhum candidato. Agora, a gente começa a perceber que o negócio deve ser bem lucrativo se todo mundo quer ser governador, e sem ter direito ao posto, isto é, sem ter compromisso com o povo, mas apenas com quem indica e com os grupos que o apoiam. Engraçado: eleição direta ninguém quer. (Ele apoiaria e faria campanha para o candidato do MDB ao Senado, Fernando Henrique Cardoso.)
IstoÉ – Você não chegou a ser sondado pelo MDB para ser candidato a deputado?
Lula – Especulou-se a respeito. Mas eu não sou inscrito em nenhum partido, e graças a Deus esgotou-se o prazo para inscrição. Jamais participaria da MDB ou da Arena, são farinha do mesmo saco e tem os mesmos objetivos. A Arena e o MDB não representam a classe trabalhadora. Eu só me inscreveria no partido que afinasse comigo ideologicamente. Não me interessa partido de cima para baixo. E é isso que acontece sempre: quando algo começa a fervilhar por aí, vêm meia dúzia de caras, os mesmos de sempre, mexem maravilhosamente na coisa toda e continuam mandando.
IstoÉ – Mas onde está você ideologicamente?
Lula – Eu digo de peito aberto que não tenho compromisso com ninguém, e que o sindicato de São Bernardo e Diadema é uma das poucas coisas independentes que existem nesta terra. Só tenho compromisso com os trabalhadores que me elegeram. No mais, a gente é chamado de dedo-duro pela oposição, de comunista pelo governo e de subversivo pelos patrões. É uma condição muito boa, porque a gente pode dar pau em todo mundo e ninguém pode falar: “vou pegar o Lula porque ele assina a Voz Operária“. Nunca assinei a Voz Operária, mas já li: era um jornal que não dizia nada para mim, jornal para intelectual, não para conscientizar o povão. Então eu tenho uma preocupação muito especial de manter o sindicato independente. A gente andará de cabeça erguida enquanto puder criticar você e amanhã aplaudir, se for o caso, e sem dor na consciência. Infelizmente tem muitos dirigentes sindicais que estão com o boi na sombra…
IstoÉ – E a ideologia, Lula, a ideologia?
Lula – Para fazer um partido dos trabalhadores é preciso reunir os trabalhadores, discutir com os trabalhadores, fazer um programa que atenda à necessidades dos trabalhadores. Aí pode nascer um partido de baixo para cima.
(Lula usava bigode na época da entrevista, como agora. Foto de Osvaldo Daniel Kaize)
IstoÉ – Embora nascido de cima para baixo, o PTB não teria, à certa altura, servido aos interesses dos trabalhadores?
Lula – A estrutura sindical foi criada dentro de um regime de exceção: o de Getúlio. Mas nos poucos momentos em que o país viveu uma democracia formal, ninguém mexeu nessa estrutura. Eu ouso dizer que durante os governos de JK, Jânio Quadros e João Goulart houve democracia mas a situação da classe trabalhadora não mudou naquele período. Seu Franco Montoro foi ministro do trabalho, seu Tancredo Neves foi ministro do Trabalho e tantos outros foram ministros do Trabalho, e hoje estão aí dizendo que as coisas deveriam mudar mas não as mudaram quando tiveram chances de mudá-las. E por quê? Porque para esse pessoal não interessa que o movimento sindical se organize. Quero dizer, nem PTB, nem PSD, nem PS, nem muito menos Arena e MDB deram passos concretos para mudar alguma coisa. A grande verdade é que a classe política nunca se interessou em procurar voto, sempre se interessou em procurar grupos capazes de comprar votos.
IstoÉ – E a ideologia, Lula, a ideologia? Que tal o socialismo?
Lula – Eu acho que o mundo caminha para o socialismo. Bem, o socialismo democrático na Alemanha é um belo exemplo: 60% dos deputados saem dos sindicatos. Você pega a Suécia, é a mesma coisa. Há tantos exemplos bons por aí.
IstoÉ – Mas não achamos que os sindicatos lutem muito para mudar a estrutura sindical…
Lula – A estrutura sindical para um dirigente que quer fazer carreira é perfeita. Nas eleições sindicais o presidente do sindicato é o dono, ele escolhe o policial para tomar conta da urna, ele escolhe os mesários, ele escolhe o presidente da urna. A oposição tem de se contentar em registrar a chapa, do resto ele cuida. Há muita brecha para o continuísmo, brecha demais. Pergunto: qual o dirigente que já se manifestou sobre imposto sindical? Todos estão calados. E, no entanto, se a gente não acabar o imposto sindical (existe até hoje) vamos ficar amarrados ao governo. A consciência do trabalhador começa com a compreensão de que cabe a ele sustentar o sindicato. Em lugar de ter 38 mil sócios, o sindicato de São Bernardo e Diadema poderia ter 2 mil que pagam 500 cruzeiros cada um, mas sabem por que pagam e o que pretendem da gente. Seria preferível. Mas os chefes sindicais se acomodam com a situação atual: o dinheiro é garantido, e ninguém reclama. E sempre sobra o argumento de que não se faz muita coisa porque a estrutura não permite. Ah, se eu fosse o governo eu dava plena liberdade aos sindicatos. Sabe o que iria acontecer? 99% não saberiam o que fazer com a liberdade sindical. Digamos que de repente fosse reconhecido o direito de greve: a maioria das diretorias de sindicatos cairia de um dia para outra. Mas não podemos esperar que a liberdade sindical venha de cima para baixo. A liberdade vem a partir do momento em que o trabalhador começa a participar, vê que está tudo errado e exige modificações.
IstoÉ – Em termos de consciência de classe, a situação melhorou na sua área?
Lula – Existe, na categoria dos metalúrgicos, um pessoal que lê jornal e sabe das coisas. Mas a maioria dos trabalhadores não tem tempo de dar a bênção para seus filhos. E há um negócio que só quem está por dentro percebe. Um trabalhador que está no Nordeste, ou mesmo no interior de São Paulo, trabalhando numa fabriqueta de fundo de quintal, e entra numa Volkswagen, numa Ford, numa Mercedes, vai ganhar no início 10, 11 cruzeiros por hora, 200% mais do que ganhava, e então acha que está no céu. Ele tem assistência médica e tem banco para pagar a continha de luz dele, e um serviço social para emprestar dinheiro para ele. E recebe um livreto lá na empresa que diz que ele trabalha num lugar maravilhoso, e toma um copo de leite de graça dependendo da função que tiver, e ganha um par de sapatos para trabalhar, e um macacão novinho. Então ele pensa: “Os caras do sindicato são umas bestas, eu estava na pior até outro dia e ninguém falava em lutar, agora estou aqui numa boa e os caras querem que eu lute e perca meu emprego”. Quando ele começa a entender que na verdade está sendo explorado, passou um ano e meio, dois anos, um pouquinho mais e a empresa manda ele embora e pega um outro, tão ingênuo quanto ele era quando chegou. Em São Bernardo e Diadema há empresas que apresentam rotatividade de até 4 mil trabalhadores por ano. Quando esse pessoal sai da fábrica está ganhando, em termos de hoje, 15, 18 cruzeiros por hora. Aí, ele vai arrumar um emprego de 8, por aí. Tem de recomeçar. Quer dizer, o reajuste de salário não tem a menor validade, é roído pela rotatividade. E esse operário tem condições de brigar? É por isso que estamos pensando na criação de um fundo de desemprego. Alguns sindicatos acham que deve ser criado pelo governo e sustentado pelas empresas, mas eu acho que, enquanto não tivermos o poder de exigir isso, temos de criá-lo com nossos próprios recursos. Só assim teremos condicões de pedir ao trabalhador que entre na briga.
IstoÉ – Briga ou negociação?
Lula – Eu tenho muito cuidado para movimentar essa classe trabalhadora ainda inconsciente, porque o retrocesso pode ser muito maior. Na época mais quente do debate em torno da reposição dos 34%, eu cheguei a sentir que haveria condições até para fazer uma greve. Mas nunca pensei nisso, não era o momento, mesmo porque antes de chegar a uma greve nós temos de contar com pessoal de comando para sustentar essa greve. Agora, eu acho que não devemos abandonar a reivindicação. Se não conseguirmos o que queremos este ano, devemos voltar à carga em 1979, e se não conseguirmos em 1979… Entende? Eu acho que a época propícia para voltar é exatamente esta. Não estou preocupado se o ano é eleitoral. Ao contrário. Os donos do poder é que num ano desses estão preocupados. Por isso acho que é o momento de negociar, num nível bem alto. Infelizmente, receio que o movimento sindical não esteja preparado para esta negociação…
(a capa da revista, em fevereiro de 1978)
IstoÉ – Mas qual é o poder de barganha dos sindicatos?
Lula – Quando eu digo negociar é porque não existe poder de barganha. Mas eu acho que o governo está preocupado com um monte de coisas, num ano chave como este, e entre elas com o crescimento do movimento sindical. No entanto, veja como são as coisas, o movimento sindical está preocupado com o AI-5. O que me incomoda é um artigo da CLT que não permite que um dirigente sindical discorde do modelo econômico. Se discorda, pode ser cassado. A gente tem de se empenhar para acabar com coisas assim. No Brasil existem 7 mil e poucos sindicatos. Se você calcular que cada um tem 24 pessoas na diretoria, verá que há muita gente em condições de exigir a favor da classe trabalhadora…
IstoÉ – Você vê alguma possiblidade de aliança com alguns segmentos da nação? Igreja, intelectuais, estudantes?
Lula – Para mim, a Igreja está fazendo o papel de quem está com remorso. Eu era coroinha, segurava batina, fiz primeira comunhão e um monte de coisas, e cansei de ver o padre pedir para a gente não brigar, pois quem sofre hoje alcança o reino dos céus amanhã. A Igreja também contribuiu, e muito, para a situação que vive hoje a classe trabalhadora. Agora, uma parte da Igreja quer se redimir aos olhos daqueles que prejudicou. Eu tenho lido algumas matérias da Pastoral Operária e não gostei, porque estão colocando o operário num nível baixo, ele aparece ali como um Zé Ninguém e eles como os bons. O que a Igreja não pode fazer é criar movimentos paralelos ao sindical. Ajuda, se fizer um bom trabalho de conscientização do trabalhador para que ele atue dentro do sindicato. Eu acho que frequentemente a Igreja se coloca na mesma posição dos radicais de 1968, mas o trabalhador não está preparado para radicalismos. Quanto aos intelectuais, acho que tem muita gente aí escrevendo sobre o que não entende. Quanto aos estudantes… Olha, eu vinha de minha casa outro dia e tinha uns estudantes andando de carrão pelas ruas, e atirando uns folhetos a favor dos trabalhadores oprimidos. Eu não posso admitir que um cara daquele esteja preocupado com a condição dos trabalhadores. Eu acho que eles são os patrões de amanhã. Um outro dia vieram me convidar para fazer palestra na faculdade deles e eu disse que só iria se me permitissem levar um operário de mãos estouradas, macacão sujo de graxa e marmita. A marmita que a mulher preparou de véspera e no almoço do dia seguinte até a gema estava branca. Eu disse isso e o moço saiu berrando que eu era muito radical. Se eu fosse universitário, me preocuparia com o mercado de trabalho que teria de enfrentar na hora de sair da faculdade…
IstoÉ – E as possibilidades de entendimento com os empresários?
Lula – Empresários de visão menos poluída já perceberam que é melhor fazer algumas concessões a curto prazo. Dentro de cinco ou dez anos, as coisas poderão ficar mais complicadas. Conheci empresários de muito valor, homens inteligentes e bastante abertos. Cláudio Bardella, Carlos Villares, José Mindlin. Dizem que o Luis Eulálio Vidigal é um reaça, mas gostei dele. É um cara honesto, tem a coragem de dizer não. Em defesa do capital nacional eu me aliaria a eles, como brasileiro, como se estivesse cumprindo um dever para com meu país. Claro que pretenderia levar as minhas vantagens nessa aliança, mas acima de tudo estaria o interesse nacional. Existem leis para proteger a produção nacional, produtos feitos aqui não deveriam sofrer a concorrência de similares estrangeiros. Mas há concessões para as multinacionais e a Petrobrás. Eu não concordo com isso. Se houvesse um movimento contra essa situação, eu o apoiaria. Mas outras alianças com os patrões são muito problemáticas, não é mesmo? Veja como são as coisas: nessa relação empregado-patrão, a única arma que torna a classe trabalhadora verdadeiramente respeitada pelo patrão é a greve. Eu não tenho dúvidas de que, se os trabalhadores estivessem bem preparados para fazer greve, bem preparados mesmo, com comandos dentro das empresas, os patrões dificilmente iam pagar para ver. O que proponho nos próximos três anos não é incentivar os trabalhadores a fazerem greve, mas prepará-los para entenderem o que é fazer greve. Eu sei que há muitos velhos trabalhadores decepcionados com as greves antes de 1964, porque quem promovia aqueles movimentos não tinha preocupação com a classe, tinha apenas interesses pessoais. A gente tem de instalar o espírito novo. E todo meu esforço é no sentido de criar um movimento que não tenha qualquer parentesco com o passado.

Publicado em 3 de fevereiro de 2013
Por Cynara Menezes