“Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data”
Luís Fernando Veríssimo

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

NO RITMO DA CREMALHEIRA

Sistema pioneiro acelera transporte de cargas entre São Paulo e Baixada Santista

Reflita: o que você faz em até 16 minutos?

Compras da semana em um supermercado?

Podem durar muito mais do que isso

Consegue atendimento em uma agência bancária?

Bancos insistem em tirar a
paciência dos clientes

Viaja entre as cidades da Baixada Santista?

Pouco provável que consiga sair e chegar ao destino nesse tempo

Cada segundo conta e o tempo, hoje, é precioso. Mas nesses 16 minutos também é possível subir a Serra do Mar. E a opção não é um helicóptero, que leva meia hora para fazer o trajeto.

O tempo recorde é atingido
por uma das maiores e
mais potentes locomotivas
elétricas em funcionamento
em todo o mundo.


Tratam-se dos trens de carga que circulam no trecho chamado de Serra da Cremalheira,
que interliga a Vila de Paranapiacaba, na Região Metropolitana de
São Paulo, até Cubatão, na Baixada Santista.
É um trajeto de quase 8 quilômetros de extensão, cuja inclinação dos trilhos
 é de pelo menos 10% – a Rodovia dos Imigrantes
tem até 6% de declividade máxima para os veículos.


Ao embarcar na cabine de uma locomotiva Stadler, fabricada na Suíça
exclusivamente para a Serra do Mar, a tecnologia chama atenção.
É confortável e tem até ar-condicionado – diferente das tradicionais a diesel,
que facilmente são encontradas circulando pelo litoral.
“É quase uma cabine de avião”, brinca o maquinista Juliano Santos,
de 33 anos, há uma década na profissão. 


.

Fazer o trajeto pela primeira vez oferece uma vaga impressão de que se está em uma tradicional montanha russa. Ao sair da estação e atingir o topo da Serra, não é possível enxergar mais nada além do horizonte azul nos dias de tempo aberto. Segundos após, o trem inclina para baixo bruscamente para descer 800 metros sinuosos de desnível natural.

Diferente do popular brinquedo do parque de diversões, ele não desliza até o Litoral. Se o fizesse, certamente o trajeto não seria seguro: isso porque são 750 toneladas carregadas em cada subida e descida. É como se a locomotiva levasse, a cada viagem, um monumento inteiro do Cristo Redentor ou, então, 500 mil barracas de praia que são vistas nas praias da Baixada Santista. Aliás, uma observação: enquanto a subida leva incríveis 16 minutos, a descida é feita em 19 minutos. 

16
minutos de viagem
800
metros de desnível
750
toneladas de carga
35
quilômetros por hora

Mas, afinal, o que é cremalheira?

No dicionário, cremalheira significa barra dentada. E é justamente uma barra central, entre os trilhos, e cheia de “dentes”, que faz com que toda a composição de vagões não escorregue pela Serra do Mar, cujas belezas da Mata Atlântica são reveladas a cada curva: cachoeiras, vales e montanhas de vegetação totalmente intactas.

A natureza exuberante, que hoje até passa despercebida por Juliano, impressiona não só quem está ali pela primeira vez, como também aqueles que estão começando no trajeto. A exemplo está o maquinista Mike Fogaça, de Praia Grande, que aos 32 anos enfrenta o maior desafio de um profissional da área.

Antes mesmo que se possa notar, lá está ela: a estação Raiz da Serra, em Cubatão. É onde as poderosas locomotivas entregam os vagões para as que são movidas a diesel e que vão despachar as composições para os terminais do Porto de Santos. A operação é rápida, dura menos de 10 minutos, e lá está ela pronta para subir a Serra do Mar novamente.

  • Do funicular à eletricidade
    A história da ágil ferrovia começa em 1867, quando a companhia britânica São Paulo Railway (SPR) a inaugurou. O objetivo era escoar a carga do Estado, como o café, que era o destaque na época, até o Porto de Santos para ser exportado. O maior desafio era vencer o desnível e a inclinação da Serra do Mar com segurança para transportar a carga. O primeiro sistema utilizado para vencer essa barreira natural era o funicular, lembra o atual inspetor da Estação de Paranapiacaba, Ronaldo Valentim. Era algo semelhante ao que até hoje é utilizado nos bondinhos do Monte Serrat, em Santos, que são puxados e sustentados por cabos, em contrapeso, por meio de grandes engrenagens instaladas no topo do morro. Para que os trens fossem movimentados entre Planalto e Baixada Santista, a ideia de contrapeso era a mesma. "Às vezes, era necessário encher de água os vagões vazios no sopé da Serra para que os cheios pudessem descer. Era muito mais difícil e arriscado. Diferente do que é hoje", fala o inspetor, ao apontar para o viaduto construído para o antigo sistema na Grota Funda. Na linha funicular hoje desativada, que é utilizada por grupos que fazem trilha na Serra do Mar, havia ao menos 16 viadutos e 13 túneis (seriam um limitador para o transporte de cargas, já que há composições que levam contêineres uns sobre os outros), de acordo com dados históricos da Rede Ferroviária Federal. Para os construtores da época, foi uma obra inédita e que tornou-se um marco para impulsionar a economia do País, além de encurtar distâncias, já que passageiros eram muito bem-vindo.

A cremalheira é a única maneira de vencer a Serra?

Não. Há ainda o trecho chamado de simples aderência, que possui 2% de inclinação e é utilizado pelas locomotivas da ALL-Rumo. Diferente da cremalheira, que é administrada pela MRS Logística, o trajeto alternativo é realizado, em aproximadamente, 3 horas. O desnível é similar: 740 metros entre o ponto mais alto e a altitude zero. A linha férrea se inicia em Evangelista de Souza (Grande São Paulo) e termina em Paratinga (São Vicente). Entre os entusiastas do transporte de passageiros, a simples aderência seria a alternativa perfeita para o turismo.

“Cremalheira é para uma viagem expressa.
A outra opção (simples aderência) teria que ser turística, pois é uma viagem mais demorada e temos que pensar na ferrovia como algo rápido e ágil”

José Manoel Gonçalves, presidente da Frente Nacional pela Volta das Ferrovias

E os passageiros?

Eles existiram, sim, até 1990, segundo a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária. Mas a economia do País em desenvolvimento constante e a necessidade, cada vez mais crescente, de se explorar a ferrovia para desafogar as estradas fez com que as cargas – mais lucrativas – tomassem em definitivo o lugar das pessoas.
Além de defender maior investimento da exploração desse tipo de transporte (tanto para mobilidade urbana como para o transporte de mercadorias), o presidente da Frente Nacional Pela Volta das Ferrovias, José Manoel Ferreira Gonçalves, também gostaria de rever as pessoas utilizando a linha férrea, seja para turismo ou necessidade.
“Quando estamos no carro ou no ônibus, às vezes, não percebemos o quanto a Serra é maravilhosa. Dentro de um trem, o charme se evidencia e podemos aproveitar um pouco mais da nossa natureza”, fala. Ele garante: é possível, sim, voltar com a composição de passageiros, desde que haja vontade política para que isso aconteça.

Estudo

A responsabilidade quanto ao tráfego de pessoas é do Estado, enquanto que de carga é do Governo Federal. De acordo com a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), há hoje um estudo para implantação de trens regionais que interligariam o Planalto à Baixada Santista. Nada concreto, por hora, apesar de haver empresas interessadas.
Pelo projeto inicial, a composição interligaria São Paulo até o Valongo, em Santos. Haveria, ainda uma estação intermediária em Cubatão e, também, em São Vicente. Seria um grande corredor que conectaria, também, as cidades de Mauá, Santo André e São Caetano, na região metropolitana da capital.
Acredita-se na movimentação de pelo menos 27 mil passageiros por dia, considerando toda linha férrea. Eles teriam à disposição pelo menos 22 composições, com 8 vagões cada. A viagem duraria de 35 a 50 minutos, dependendo da solução para transpor a Serra do Mar: o sistema Cremalheira ou de Simples Aderência.

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