“Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data”
Luís Fernando Veríssimo

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Temer traíra e ladrão de mais de 54 milhões de votos

A cultura do medo de um governo ilegítimo

Do Justificando
Por Salah H. Khaled Jr.
As areias do tempo retrocederam. O calendário foi rasgado e a história foi reescrita para garantir a reiteração do mesmo. Os fantasmas de natais passados retornam novamente para nos assombrar. Repentinamente nos reencontramos com um Brasil cujo prazo de validade aparentemente havia expirado. A mancha autoritária que ele representa enquanto ferida ainda aberta em nossa história não tem como ser apagada. Ele polui nosso passado, presente e futuro: é um monumento arcaico, que permanentemente compromete quaisquer esforços concretos para a consolidação da democracia no Brasil.
Nas últimas décadas, avançamos como nunca havíamos avançado antes. E por isso ousamos acreditar que nossa origem bastarda não nos acorrentava. A emancipação parecia algo possível. Enfim poderíamos deixar para trás o legado excludente do nosso passado colonial, como se ele fosse biodegradável. Uma democracia relativamente estável parecia estar ao nosso alcance. Mas, agora, tudo parece ter sido reduzido a cinzas. A legalidade foi estraçalhada. Práticas de exceção viraram regra sem o menor pudor: diversos atores sociais exteriorizam uma subjetividade violenta com jovial naturalidade. Fazem do público um reflexo distorcido do privado. Movidos por uma agenda de destruição, dão cabo de sua missão: toda espécie de direitos está prestes a ser consumida nas chamas de uma fogueira que será alimentada com corpos vulneráveis. Estão abrindo caminho a ferro e fogo para a terra prometida: um reino depurado de diversidade, no qual os patos têm acesso livre, as mulheres sabem qual o seu lugar e os espaços de poder desfrutam de um processo extensivo de branqueamento que fede a mofo.
Tochas estão sendo acesas de Norte a Sul do país. O ódio é exalado pelos poros dos incautos. Querem sangue. Nada menos que a destruição dos estigmatizados os satisfará, e nenhum dano colateral é grande demais para a consecução de tão desejável finalidade. Instrumentalizados pela violência simbólica do aparato jurídico-midiático que possibilitou o próprio golpe, possivelmente serão presas fáceis para a falácia da herança maldita que a tudo justifica. Gente lobotomizada não dispõe de ferramentas para se libertar da moral de rebanho. Não percebem que trajam grilhões de servidão e muito menos que o rei está nu. Mas nem tudo se resolverá tão rápido. Logo muitos deles serão confrontados com as próprias escolhas e acordarão de forma traumática para a realidade predatória de vulneráveis que é subjacente ao esforço golpista.
O controle do aparato político não saciará a fúria de nossas elites genocidas. Para elas, nada menos que a realocação de corpos bastará. É preciso reafirmar uma hierarquia social excludente. Garantir tanto a visibilidade quanto o sumiço do outro de certos lugares sociais. Banir o diferente como indesejável e simultaneamente assegurar que ele cumpra sua função como exército de mão de obra de reserva: um estoque de gente excluída disposta a vender seu tempo e suas forças sem ter direito a qualquer dignidade, motivo pelo qual a própria definição de trabalho escravo terá que ser redimensionada.
O sistema penal continuará a exercer sua função social de gestão da miséria. Para isso a redução da maioridade penal contribuirá significativamente. Uma vez que o seu funcionamento retrata de forma fidedigna o patamar democrático de uma sociedade, é possível compreender que de certo modo ele profetizava o retrocesso que estava por vir. A máquina de trituração do outro que é o poder punitivo no Brasil jamais cessou de funcionar ou sequer arrefeceu. Logo suas engrenagens lubrificadas serão colocadas a serviço da repressão e possivelmente a lei antiterrorismo em muito ajudará nessa missão. Considerando a essência autoritária e publicamente assumida do governo interino, será necessário reprimir, já que a resistência é forte: nas praças, nas ruas, nas universidades, no Judiciário, no Legislativo, no Executivo e em muitos outros lugares, como nas próprias redes sociais.
É dolorido reconhecer que a democracia no Brasil não era mais do que uma miragem. Dela resta a forma, mas o conteúdo foi perdido. É possível que a sua reconstrução seja tarefa para mais de uma geração. Mas ainda resta um fio de esperança para a resistência, por mais tênue que possa ser. Um sopro de legalidade pode ainda fazer com que o Leviatã estremeça. Você pode fazer a sua parte. Basta ter a coragem de encher os pulmões e não ceder aos próprios medos. É nos momentos de ruptura histórica que encontramos dentro de nós a coragem para não temer, mesmo quando o futuro parece incerto e ameaçador.
Você pode dizer não a tudo isso. Cante em alto e bom tom. Pela democracia. Pela liberdade. Pela legalidade. Pela diversidade. Carmina Burana. FORA TEMER. FORA TEMER. FORA MICHEL TEMER.
Veja e ouça aqui o magnífico ato no Palácio Gustavo Capanema, com excelente edição da Mídia Ninja:
Um grande abraço para quem ama a democracia!
Salah H. Khaled Jr. é Doutor e mestre em Ciências Criminais (PUCRS), mestre em História (UFRGS). Professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Escritor de obras jurídicas. Autor de A Busca da Verdade no Processo Penal: Para Além da Ambição Inquisitorial, editora Atlas, 2013 e Ordem e Progresso: a Invenção do Brasil e a Gênese do Autoritarismo Nosso de Cada Dia, editora Lumen Juris, 2014 e coordenador de Sistema Penal e Poder Punitivo: Estudos em Homenagem ao Prof. Aury Lopes Jr., Empório do Direito, 2015.
http://jornalggn.com.br/noticia/a-cultura-do-medo-de-um-governo-ilegitimo

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